Financiada pela comunidade, ponte Nossa Senhora de Caravaggio é inaugurada com festa em Nova Roma do Sul
Estrutura original foi levada pela cheia do Rio das Antas em 4 de setembro de 2023. Depois de 138 dias, trânsito para veículos foi liberado na RS-448, retomando a ligação da cidade com Farroupilha
Foto: Grupo de Pinto Bandeira ganhou leilão e levou caminhonete Willis de 1964 para fazer a travessia.
Bruno Todeschini / Agência RBS
20 de janeiro de 2024
Uma ambulância foi o primeiro veículo a cruzar a recém-inaugurada ponte entre Nova Roma do Sul e Farroupilha sobre o Rio das Antas na manhã deste sábado (20). Batizada de Nossa Senhora de Caravaggio, a estrutura foi construída na RS-448 no mesmo local onde uma ponte centenária foi arrastada pela força da água na enchente de 4 de setembro. O trânsito estava bloqueado há 138 dias
A construção foi financiada por recursos arrecadados pela Associação Amigos de Nova Roma do Sul, criada duas semanas após a queda. Um dos principais objetivos era agilizar a retomada da ligação da cidade com Farroupilha, município referência para atendimentos de saúde para Nova Roma. Por esse motivo, a ambulância foi o primeiro veículo a passar pela ponte.
Na sequência, o segundo veículo também veio carregado de significado. Uma caminhonete Willis de 1964 foi puxada por centenas de pessoas, uma alegoria ao esforço comunitário que viabilizou a construção da ponte. Na caçamba, voluntários e engenheiros contratados pela Associação Amigos de Nova Roma do Sul. À frente, um coral que abanava chapéus e entoava músicas em italiano.
A organização arrecadou até agora R$ 7 milhões para custear a obra, orçada em R$ 6 milhões. Ações realizadas durante a festa de inauguração seguem somando valores ao caixa da associação. A escolha do primeiro veículo a cruzar a ponte após a ambulância, por exemplo, veio de um leilão, vencido pelo prefeito de Pinto Bandeira, Hadair Ferrari que desembolsou, junto de amigos, R$ 14 mil para passar pela estrutura.
— É pouco perto do que a comunidade arrecadou aqui, é algo histórico, somos vizinhos, e queríamos participar desse momento — disse
Centenas de pessoas puxaram caminhonete que levou responsáveis pela arrecadação de recursos e construção da ponte. Bruno Todeschini / Agência RBS
Chave da cidade para associação
Na cerimônia de inauguração, o prefeito Douglas Pasuch entregou, pela primeira vez na história de 36 anos de Nova Roma do Sul, a chave do município. Quem recebeu foi o presidente da Associação Amigos de Nova Roma, Tranquilo Tessaro.
Aplaudido pelas centenas de pessoas que acompanharam a inauguração, Tessaro subiu emocionado ao palco:
— Fomos guiados pela orientação divina também. Não somos profissionais de obras públicas e tivemos o privilégio de contar com empresas e um corpo técnico pra tirar isso do papel de uma maneira rápida. Não é só o fato de ter dinheiro, as coisas acontecem porque nos cercamos de pessoas boas e empresas sérias — disse
Para Tessaro, os discursos deveriam ser de agradecimento a quem deveria ser o responsável pela obra. No entanto, a obra foi viabilizada sem dinheiro público.
— Não estamos chateados com o governo, mas queremos que esse exemplo possa mudar as regras do jogo. Em 138 dias, contra tudo e contra todos, construímos a ponte. Temos tudo para viabilizar a ponte até Veranópolis e a licença ambiental ainda não foi expedida — completou o prefeito.
Pároco da Paróquia São Pedro e São Paulo, o padre Gerson Bartelle abençoou a ponte e deu fim aos discursos.
Volta da Balsa retomada para ciclistas
Dentre as centenas de pessoas que acompanharam a festa, muitos ciclistas celebraram o retorno da chamada volta da balsa, um trajeto de quase 100km que sai de Caxias do Sul até Nova Pádua, atravessa a balsa em Nova Roma e volta a Caxias por Farroupilha.
Entre eles, Márcio Tonett, que saiu cedo de Caxias junto de um grupo com 30 pessoas:
— Em termos de turismo é sensacional, mas a gente enxerga a força da comunidade também, tem que tirar o chapéu, erguer isso aqui do nada. Essa volta da balsa é clássica, sentimos falta dela. É como diz nosso hino, sirvam nossas façanhas.
Veterana do grupo Gurias do Pedal, Kátia Weber, organizava um grupo só de mulheres para fazer o que considera uma trilha desafiadora e a primeira de três dígitos de quilometragem de muitos ciclistas:
— Já tínhamos feito em 2021, com 16 gurias, e agora quando comecei a organizar a segunda edição aconteceu esse infortúnio. Hoje a gente teve aqui a reunião de quase todos os grupos de pedal de Caxias do Sul — contou.
Chuva não atrapalhou a festa
O clima instável do sábado não atrapalhou a festa que seguiu durante todo o dia em Nova Roma do Sul. Três pancadas de chuva obrigaram o público a se abrigar nas tendas montadas pela organização. Nos intervalos, o sol e calor animavam ainda mais quem saiu das cidades do entorno para conferir a inauguração. De Nova Roma do Sul, ônibus saiam a cada 40 minutos para trazer famílias como a da professora Margarete Donadel:
— Saímos às 7h só com dinheiro, água e cadeiras. Parecia um pesadelo quando a ponte caiu, tenho 52 anos, passei a vida inteira por aqui para ir em consultas médicas. Fiquei desde setembro sem ir na minha cunhada em Farroupilha. Agora parece um sonho, a gente se arrepia de saber que construímos a ponte. Tenho uma neta e posso contar essa história desse momento único.
Sentado em uma cadeira de praia e rodeado pela família, o sobrinho de Margarete comemorava o retorno da ponte. Ele vai voltar a levar as mudas de frutíferas que cultiva a Farroupilha, agora pelo caminho mais curto:
— Quando começou a associação sempre acreditei que sairia do papel. Era muito transtorno ter que fazer os desvios — disse Tiago Donadel.
Foram 138 dias sem o movimento que via todos os dias por quem passava pela ponte de Nova Roma. Neste sábado, Laudino Volpini, 70, o Bin, dono do bar às margens do Rio das Antas vendeu quase 500 espetinhos para quem foi conferir a inauguração.
— Estou aqui há 26 anos, eu vi a ponte cair, choramos nossa parte aquele dia. Hoje estamos todos alegres tranquilos e contentes. O que nós precisávamos era isso aqui, o nosso hospital é em Farroupilha – lembrou.
A esposa fez coro. Jandira Volpini se emocionava com o movimento e a procura da comunidade em ver a ponte pronta:
– Muita emoção, demos apoio aos construtores, mas ficamos todo esse tempo sem ganhar nada. Fazíamos lanche e café para a equipe que montou a ponte — contou.