Ministério Público do Trabalho analisa 13 depoimentos sobre suposto comportamento inadequado de Gabriel Leal Marchiori, que dirigia a Banrisul S.A Administradora de Consórcios
O relato de suposto assédio sexual de uma estagiária por um então diretor da Banrisul S.A Administradora de Consórcios desencadeou depoimentos de pelo menos mais 12 mulheres sobre o comportamento de Gabriel Leal Marchiori.
São funcionárias e ao menos uma cliente que narram supostas investidas com viés sexual, convites para sair, pedidos de fotos do corpo, exigências sobre atitudes que deveriam ter em viagens a serviço, orientações sobre tipo de roupa a usar no trabalho, toques e casos de humilhação a quem não agia conforme as orientações. O Grupo de Investigação da RBS (GDI) conversou com nove destas mulheres.
Marchiori, 38 anos, ocupava função de alto escalão na Administradora, mas não no comando do banco. Ele foi destituído em 10 de novembro, cerca de 30 dias após a estagiária registrar, no canal de denúncias da instituição, o que teria ocorrido com ela na sala dele. Como era cedido à Consócios — uma das empresas controladas pelo Grupo Banrisul —, agora ele voltou ao quadro do banco. Uma apuração interna está em andamento.
Por meio de nota, o banco informou que “em relação ao lamentável caso em questão, logo após o recebimento da denúncia, o banco iniciou uma apuração ampla e detalhada para esclarecer os fatos”, e que “já decidiu destituir o denunciado da posição de diretor”.
Um dia antes de perder a diretoria, Marchiori apresentou atestado médico para se afastar por 90 dias. Em nota, ele afirma que os “fatos são infundados e que foram apurados dentro de um procedimento manifestamente inconstitucional”.
No dia 17, o Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários) levou as suspeitas ao Ministério Público do Trabalho (MPT) em documento com os 13 relatos, alguns ilustrados com prints de conversas entre o diretor afastado e funcionárias. O MPT tem duas notícias de fato abertas. São procedimento iniciais para avaliar medidas cabíveis, que vão de abertura de investigação a arquivamento. Não há, até o momento, registro policial sobre o caso.
— São relatos de toques inapropriados, palavras, convites a ponto de constranger as mulheres no ambiente de trabalho, deixá-las se sentindo humilhadas e sem coragem de falar porque é uma correlação de força desproporcional — diz Sílvia Chaves, do SindBancários.
Quando o episódio com a estagiária começou a ser conhecido, outras mulheres se encorajaram e criaram um grupo de WhatsApp. Algumas estão sob tratamento psicológico.
— Desde o primeiro dia, sou assediada, recebo comentários sobre meu corpo. Os comentários sempre saíam da boca dele, dizendo ser de outros colegas. Me sentia vítima de todo mundo, e ele era a pessoa que estava me “acolhendo” — diz uma delas.
A estagiária preferiu contar por escrito o que teria ocorrido na sala do diretor:
“Estava na minha mesa quando o diretor começa a falar e pede para eu passar na sala dele no fim do meu expediente para pegar um presente (eu havia conversado apenas duas vezes com ele). Fui, me deu uma camiseta do Grêmio. Ele começa a elogiar minhas tatuagens, eu também elogio as dele. Pede para ver a que eu tenho no meio dos seios. Mostrei de forma que cobrisse parcialmente meu peito.
A segunda vez, ele me chamou pelo Skype e pediu para eu ir na sala dele ajudar com dicas de tatuadores. Quando cheguei, passei dicas, e ele pediu para ver a que tenho no meio dos seios de novo. Fiz cara de ‘nada a ver’, mas ele insistiu. Levantei a blusa de forma que cobrisse meu seio. Ele pediu pra ver meus seios, mais uma vez eu repeti o mesmo semblante (de nada a ver), mas ele insistiu e, como se não bastasse, ele tocou. Pediu pra ver também a tatuagem que eu havia comentado ser a única de que me arrependia, nas nádegas. Eu disse que me constrangeria. Ele mais uma vez insistiu, então eu abri minha calça e ele abaixou. Então, eu disse que precisava voltar ao trabalho”.
Seis dias depois do episódio, a estagiária ainda não havia contado nada a colegas ou superiores, mas disse ter sido chamada para conversar sobre o tema.
“Uma superior me chamou, mas não falei nada. No dia seguinte, saí do banheiro com a cara inchada de chorar, e um superior me chamou para a sala com outra superior. Contei a eles. Ele disse que eu tinha de denunciar. Ela ficou meio em estado de choque”.
Na primeira semana de outubro, a estagiária fez um relato formal ao banco:
“Fui chamada na DG (Direção-Geral) para contar o que aconteceu para um conselho (formado por dois homens e duas mulheres). Eles não falaram nada. Só disseram que lamentavam, mas não me redirecionaram para lugar nenhum. Sigo me sentindo culpada e com medo”.
O que diz Gabriel Leal Marchiori:
NOTA À IMPRENSA E À COMUNIDADE EM GERAL
Posso afirmar que os fatos ventilados contra mim na imprensa são infundados, desprovidos de provas e apurados dentro de um procedimento administrativo manifestamente inconstitucional, onde não me foi assegurado o direito à ampla defesa. Me manifestarei perante as esferas judiciais competentes.
O que diz o Banrisul:
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Não há espaço no Banrisul para a prática de qualquer ato de desrespeito entre as pessoas. A instituição possui valores e princípios que se firmam como pilares para a atuação de todos os nossos colaboradores, seja qual for seu cargo. O Código de Ética e de Conduta, especialmente, estabelece um conjunto de normas que são inegociáveis – orientando com clareza como deve se dar o relacionamento com o público interno e externo.
Em relação ao lamentável caso em questão, logo após o recebimento da denúncia, o banco iniciou uma apuração ampla e detalhada para esclarecer os fatos. A partir do conteúdo dos primeiros depoimentos, o Conselho de Administração já decidiu destituir o denunciado da posição de diretor da Banrisul S.A. Administradora de Consórcios, em 10 de novembro. Em cerca de 30 dias, o afastamento foi realizado.
Todos os cuidados estão sendo tomados para preservar a identidade dos envolvidos, de acordo com o que determina a Convenção Coletiva de Trabalho. O ex-diretor retornou à condição de empregado, sendo lotado na Unidade de Administração de Pessoas. Ele se encontra em licença para tratamento de saúde. Neste momento, as apurações seguem seu curso junto às instâncias administrativas internas, podendo motivar medidas adicionais às já adotadas.
Desde 2020, o Banrisul conta com uma área de acolhimento feminino institucionalizada para receber denúncias de situações de violência contra as mulheres. As comunicações recebidas por esse canal de atendimento são todas encaminhadas para as devidas apurações e providências. Ciente dos desafios que persistem, o banco reforça seu compromisso de aprimorar cada vez mais seus protocolos para garantir um ambiente de trabalho respeitoso e igualitário, em que a dignidade humana seja preservada a cada dia.