Segundo a Polícia Civil, internos sofriam maus-tratos, eram deixados sem comer e viviam em meio as fezes
Em caso que gerou comoção, 10 idosos foram resgatados de uma clínica geriátrica clandestina em Taquara, há cerca de um mês. De acordo com a Polícia Civil, ali, os internos sofriam maus-tratos, eram deixados sem comer e viviam em meio as próprias fezes. Nos últimos dias, com a investigação ainda em andamento, as equipes também verificaram outro crime: os responsáveis pelo local faziam movimentações nas contas bancárias das vítimas, realizando transferências e saques de valores.
Enquanto o trabalho policial é feito, os idosos resgatados – seis homens e quatro mulheres, com idades até 80 anos – estão sob abrigo da prefeitura local. No último dia 19, as equipes pediram à Justiça a prisão preventiva de três pessoas, que integrariam o grupo responsável pelo estabelecimento. De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado (TJ), a solicitação “está sob análise do magistrado”.
A reportagem apurou que as três pessoas são Jefferson Almeida de Almeida e Thalles Maciel Telles, que seriam donos da clínica, e Eliane Maciel da Silva, que seria esposa de Almeida e integraria a suposta associação criminosa. GZH questionou o TJ se os investigados constituíram advogado, para pedir os contrapontos, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Conforme a Polícia Civil, os três não foram mais localizados no município.
Um pedido de prisão anterior, dos dois homens, já havia sido feito logo após o fechamento da clínica, em 2 de outubro, mas foi negado pelo Poder Judiciário.
Conforme o delegado Valeriano Garcia Neto, foram verificadas transferências de valores das contas das vítimas para ao menos um dos envolvidos. Os valores são “elevados”, segundo o policial, e duas das movimentações somam R$ 9 mil. Também foram feitos saques nas contas das vítimas, diz.
— Verificamos transferências para uma das três pessoas identificadas, mas também há movimentações para contas de terceiros, que estamos investigando quem são e como atuavam. Temos certeza que há mais gente envolvida, que pegou dinheiro das vítimas — pontuou Neto, que conversou com a reportagem na terça-feira (31), antes da vigência da greve organizada por entidade de delegados.
Segundo o policial, diferentes crimes devem constar na conclusão do inquérito, como tortura, maus-tratos, cárcere privado, lesão corporal, retenção de documentos e furto qualificado (pelas transferências bancárias). O crime de trabalho análogo à escravidão também deve ser incluso, em razão de uma mulher de 42 anos resgatada do local no dia da ação. Ela relatou que era mantida ali para fazer trabalhos de limpeza e cuidados dos idosos, sem ser remunerada, e que era impedida de sair do local, vivendo sob ameaças e abusos, inclusive sexuais.
Segundo Neto, o cenário ao entrar na clínica era desesperador. Em detalhes, ele lembra das imagens e as define como “algo desumano”.
— Em toda minha atuação, nunca vi tamanha desumanidade em relação a vítimas. Os idosos estavam em condição de abandono. Quando chegamos lá, choravam e gritavam de fome e sede, pediam socorro. Alguns estavam tão debilitados que não conseguiam levantar da cama, parecia um campo de concentração. Estavam desidratados, desnutridos. Viviam em meio a suas próprias fezes, dividindo espaço com porcos, galinhas e cães.
Em depoimentos à polícia, os idosos contaram que eram impedidos de sair, mantidos sem cuidados de higiene e saúde, muitas vezes deixados sem refeições e até sem água limpa para beber.
Conforme o delegado, o grupo era mantido ali para que os responsáveis obtivessem lucro financeiro, pegando dinheiro dos idosos, um “vampirismo”, na definição de Neto.
Ele afirma que havia um “padrão claramente estabelecido” de quais idosos eram levados ao local.
— Gente idosa que tenha renda e seja solitária, sem familiares vivos ou próximos, que os acompanhem.
Após o fechamento da clínica, escavações foram feitas no terreno, em busca de corpos de idosos que teriam morrido e sido enterrados no local.
A informação sobre supostas vítimas enterradas ali surgiu de uma testemunha, que afirmou que ao menos cinco mortes de internos teriam ocorrido no local no período de um ano. A mesma testemunha diz ter visto um dos proprietários da clínica removendo corpos de idosos da instituição.
A escavação contou com auxílio do Corpo de Bombeiros e da Secretaria de Obras do município, além de cães farejadores, mas nenhum corpo foi encontrado.