Maior parte dos reembolsos solicitados pelos congressistas e pagos pela Câmara dos Deputados foi com divulgação e passagens aéreas
Sob a mira do Tribunal de Contas da União (TCU), mais de R$ 70 milhões da cota parlamentar foram utilizados pelos deputados federais do país no primeiro semestre de 2023. O valor, entretanto, é menor do que no ano passado — em que grande parte dos parlamentares estavam em campanha eleitoral. Desde o começo deste ano até o fim de junho, a Câmara reembolsou R$ 71,8 milhões aos parlamentares, principalmente, para ressarcir despesas com propagandas e viagens.
Os gastos só com divulgação de atividade parlamentar, em 2023, representaram cerca de um terço do total (33,41%). Em seguida, o maior valor ressarcido aos deputados nesse intervalo foi com passagens aéreas: R$ 14,8 milhões (20,4%).
No mesmo período, em 2022, o gasto foi de cerca de R$ 117,7 milhões. A fatia mais larga desse total também foi gasta com divulgação da atividade parlamentar — que envolve desde a impressão de material gráfico sobre o mandato do deputado até o pagamento direto a veículos de notícias regionais no reduto eleitoral.
Corre sob sigilo no TCU um processo aberto pela Corte de Contas para analisar se a Câmara dos Deputados e o Senado estão cumprindo com as recomendações de reduzir as despesas com cota parlamentar. O TCU começou um monitoramento dos gastos em 2020, a partir de indícios de “distorções” no ressarcimento de despesas “ilegais ou suspeitas”, quando foram encontrados gastos, por exemplo, com bebidas alcoólicas e refeições de terceiros.
No acórdão 3048, de dezembro de 2019, os ministros do TCU pediram a revisão dos gastos com ressarcimento de “divulgação da atividade parlamentar” Esse é um dos itens que podem ser patrocinados pela cota. O deputado pode ainda custear despesas com aluguel de escritório de apoio no estado, passagens aéreas, alimentação, aluguel de carro e combustível. O TCU está monitorando todos esses gastos.
Em fevereiro, novos documentos foram anexados ao processo. De acordo com o órgão, um dos principais motivos para a revisão da cota é a estrutura legislativa que os parlamentares têm à disposição. Somente a TV Câmara fica no ar 24 horas por dia e cobre 100% do território nacional, disponível em sinal aberto em 25 capitais e mais de 200 municípios. Além dela, contam ainda com estrutura para divulgação por rádio e redes sociais.
Parte do processo da Corte está baseada em um material produzido pelo grupo de voluntários denominado Operação Política Supervisionada (OPS), um indexador de dados públicos da cota parlamentar. A plataforma indica os gastos anuais, onde essa verba foi aplicada e como cada congressista gastou o dinheiro.
Um levantamento de 2023 aponta quais deputados mais gastaram com divulgação do mandato. Estão na lista: Ruy Carneiro (PSC-PB), João Maia (PL -RN), Giovani Cherini (PL-RS) e Zé Trovão (PL-SC). João Maia, por exemplo, pagou quase R$ 65 mil para uma única gráfica de Brasília. Já Giovani Cherini usou praticamente toda a cota ressarcida até agora com uma gráfica que fica no estado de origem, o Rio Grande do Sul.
Ao R7, a assessoria de imprensa de Zé Trovão justificou que as despesas com marketing e divulgação visam a interação do deputado com a população. “É sua obrigação informar o trabalho que está sendo realizado, bem como entender e receber as prioridades e demandas da sociedade. Importante destacar que suas redes sociais foram recentemente recuperadas e, com a comunicação orgânica, haverá maior facilidade de difusão da sua atuação e entrosamento com seu público”, diz a nota.
A reportagem também procurou os outros parlamentares citados na reportagem, mas não teve resposta até a última atualização deste texto.
Para a diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, há uma violação do princípio da economicidade. “É preciso reduzir o valor disponível para esse tipo de gasto e estabelecer limites mais claros das hipóteses de uso. Já se identificou o uso desse recurso para gerar conteúdo para redes sociais que era monetizado por uma deputada, por exemplo. E a limitação que a Câmara impôs a essa prática é frágil”, pontuou.
O R7 procurou a assessoria da Câmara dos Deputados para saber quais medidas estão sendo tomadas pela Casa para atender às recomendações do TCU, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
• Rever a manutenção de cotas destinadas ao ressarcimento de despesas com consultorias, assessorias e trabalhos técnicos;
• Fixar valores máximos para os ressarcimentos de despesas para manutenção de escritórios de apoio dos parlamentares;
• Rever os limites máximos autorizados para os gastos com locação de veículos automotores, fretamento aeronaves ou embarcações, combustíveis e lubrificantes;
• Aperfeiçoar os controles dos gastos com alimentação;
• Exigir que os ressarcimentos a título de divulgação da atividade parlamentar sejam amparados na demonstração da publicidade ou divulgação realizada; e
• Avaliar o caráter educativo, informativo, de orientação social ou de prestação de contas, de forma que esses valores não sejam revertidos à promoção pessoal de parlamentares.