Após meia hora quebrando correntes, abrindo portões, desviando de lixo, danificando o barco, molhando todos os voluntários, não parecia existir vida no prédio abandonado. Quando já se preparavam para dar a volta, ouviram um latido
A saída de uma das tantas embarcações que partiram da Avenida Cairú, zona norte de Porto Alegre, nesta quinta-feira (16), tinha uma missão: resgatar dois cachorros que estariam na antiga fábrica da Neugebauer. E para Roseli da Silva, uma das voluntárias, era questão de honra recuperá-los. E ela não desistiu.
Motivos para isso não faltavam. Para chegar, era preciso que o barco desviasse do lixo acumulado e escapasse de tocos de madeira e demais detritos. Quando chegou à fábrica, todas as portas estavam lacradas. Mesmo após quebrar cadeados, mais troncos, mais sujeira. Além de Roseli, outros voluntários e integrantes da embarcação assoviavam, chamavam os cachorros com nomes genéricos. Chovia nessa hora. E não havia sinal dos bichos.
Após meia hora tentando entrar, quebrando correntes, abrindo portões, desviando de lixo, danificando o barco, molhando todos os voluntários, não parecia existir vida no prédio abandonado. Quando já se preparavam para dar volta e tentar outros resgates, ouviram um latido: tinha, afinal, cachorro lá dentro. Então recomeçou o trabalho para ingressar na fábrica.
Força daqui, puxa dali, empurra o portão, abaixa a cabeça para não bater no topo da porta e, finalmente, se ingressou nas ruínas. Não deixa de ser estranho “navegar” dentro de uma fábrica. A altura da água, medida pelo remo, superava 1m80cm em alguns pontos. O lugar é grande, e o grupo se movimentava, chamando o cachorro, sem resposta. Não aparecia nas janelas quebradas, não latia, não chorava.
Passou outra meia hora de uma procura angustiante, que tinha envolvido também subir em escadas e explorar a parte seca, no segundo andar. Será que o latido era de algum prédio vizinho?
Roseli, então, mudou de estratégia e se atirou na água. Ficou submersa até o peito. Encontrou um canto escondido e então gritou:
— Achei o cachorro!
Na verdade, uma cachorra. Uma vira-lata grande e possivelmente prenhe. Ofereceu ração para acalmá-la e conduzi-la em uma coleira improvisada até o barco. O grupo retornou à Avenida Cairú. Na chegada, outra voluntária já recolheu o animal e o levou aos cuidados veterinários.
Foi quando Roseli ficou sabendo que o outro cachorro também tinha sido encontrado, mas sem vida. Não teve tempo para se lamentar. Ao lado dos colegas de barco, já se preparava para uma nova incursão à água, em busca de mais resgates. A salvação da cachorrinha já tinha valido a pena o sacrifício, a sujeira, o frio e a roupa molhada para o resto da quinta-feira.
Têm sido assim os dias da dona de casa há uma semana. Ela e alguns familiares saem de Sapucaia do Sul, em uma moto, às 8h, para chegar na Zona Norte às 9h. E dali só retornam à noite. Deixa em casa seus seis filhos, incluindo duas gêmeas de cinco meses. Compraram o barco justamente para ajudar nos resgates, ainda estão aprendendo. Por tudo isso, ela insistiu em olhar todos os cantos até resgatar a cachorra: