Mais de cem dias depois do início da tragédia climática, interrupções em estradas federais e estaduais seguem impondo dificuldades logísticas a empresas gaúchas. Segundo o governo do Estado, 13,7 mil quilômetros de vias foram afetados
Pouco mais de cem dias após a enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio, o Estado ainda tem 54 pontos de bloqueio nas rodovias estaduais e federais. Os registros até a noite desta segunda-feira (12) incluem 36 trechos com bloqueios parciais, além de outros 18 com interrupção total.
Conforme projeções do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e da Secretaria Estadual de Logística e Transportes, a recuperação total dessas estradas deve levar até dois anos para ser completa.
Esta reportagem faz parte de uma série que mostra como está a reconstrução do Rio Grande do Sul em oito áreas essenciais para a recuperação do Estado (veja abaixo o cronograma). Os dados são do Painel da Reconstrução, do Grupo RBS.
O monitoramento dos pontos de bloqueio nas rodovias gaúchas é realizado de forma constante por Polícia Rodoviária Federal (PRF), Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) e Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer). As regiões mais impactadas e que atualmente mais concentram trechos bloqueados são Vale do Taquari, Vale do Caí, Serra, Região Central e região metropolitana de Porto Alegre.
Estradas como a RS-130, no Vale do Taquari, a BR-470 e a RS-431, na serra gaúcha, e a RS-348, no centro do Estado, ainda apresentam pelo menos três pontos de bloqueio (veja o mapa de bloqueios abaixo).
Conforme o governo estadual, a chuva e a enchente de maio afetaram cerca de 13,7 mil quilômetros de estradas. Desses, 5.288 quilômetros são em rodovias federais, e outros 8.434 quilômetros em trechos estaduais.
Diretor-geral do Daer, Luciano Faustino afirma que o processo de recuperação das rodovias é realizado em diferentes etapas. Em um primeiro momento, o serviço esteve mais direcionado à limpeza e à restauração emergencial das estradas. Agora, passará a executar obras em trechos que necessitam de um planejamento estrutural mais aprofundado.
— A primeira prioridade se tornou a recuperação pontual e emergencial do que era possível, com a remoção de lama e entulho das pistas, depois serviços para conter processos erosivos. Passada essa etapa, o momento agora é de executar obras de restruturação mais complexas, que exigem maior planejamento — destaca.
Com objetivo de acelerar esse processo de recuperação das estradas, o governo estadual apresentou no início de junho um plano de reconstrução de rodovias. No documento, foram elencados 30 pontos prioritários para receber os serviços.
Conforme a Secretaria Estadual de Logística e Transportes, a escolha dos trechos prioritários — que abrangem 36 municípios gaúchos — foi baseada em sete critérios: situação da rodovia, tempo gasto a mais em deslocamentos, quantidade de afetados, impactos na economia local, impactos na saúde, impactos na mobilidade urbana e volume de circulação de veículos.
Para completar os serviços de recuperação necessários, o Piratini projeta um valor mínimo de R$ 3 bilhões, para “correção e liberação dos pontos afetados pela chuva”, ou R$ 9,9 bilhões, para “reconstrução de forma resiliente, com adaptações para as mudanças climáticas”, conforme destacado no plano apresentado em junho.
Da projeção de gastos, o governo gaúcho pretende utilizar recursos provenientes do Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs), que deverão ser complementados com apoio financeiro da União. Até o momento, o Piratini gastou aproximadamente R$ 117,7 milhões na restauração das rodovias estaduais, com recursos do Tesouro do Estado.
Já para executar a recuperação completa das estradas sob sua administração localizadas no Estado, o governo federal projetou investir inicialmente um montante de R$ 1,185 bilhão. Esse recurso foi regulado pela Medida Provisória nº 1.218/24, publicada em 11 de maio.
Apesar de o anúncio ter sido feito em 6 de maio, até o momento cerca de R$ 89,4 milhões foram aplicados na recuperação dos trechos federais, segundo informações do Dnit. Do valor prometido, há também cerca de R$ 193,5 milhões já empenhados e aproximadamente R$ 268,4 milhões em contratos assinados com empresas que irão realizar as obras.
O superintendente do órgão no Estado, Hiratan Pinheiro da Silva, diz que a próxima etapa dos trabalhos terá foco justamente na recomposição das plenas condições das estradas.
— A gente teve, inicialmente, uma atuação para realizar a desobstrução das rodovias. Agora, entra a fase da reconstrução e da reabilitação das rodovias após o impacto do evento climático. A malha rodoviária, com todas as suas estruturas, é absolutamente fundamental para o Estado — reforça.
O superintendente do Dnit estima que a recuperação total das rodovias seja feita em até dois anos.
— Vão ficar bloqueadas? Não, não vão ficar bloqueadas, vão estar em obra, o trânsito vai estar fluindo. Vai estar com pare e siga — acrescenta.
Previsão similar de prazo para a recomposição total das rodovias estaduais faz o secretário dos Transportes, Juvir Costella.
— Até o ano que vem, ou seja, nesse prazo de um ano e meio, muitas das nossas (rodovias) estarão concluídas, mas certamente a grande maioria em fase de conclusão, como é o caso das do governo federal — afirma o secretário.
Além da necessidade de reabilitação dos trechos rodoviários regulares, outro fator que contribui para esse prazo é a necessidade de reconstruir pontes que foram destruídas. Levantamento recente realizado por Zero Hora mostrou que 14 pontes, sendo quatro em rodovias federais e 10 em estaduais, ainda precisam ser restauradas ou construídas inteiramente.
— Uma ponte que nós estamos contratando leva em média de 12 a 14 meses para ficar pronta. Então, se nós formos contratar em setembro, ela vai terminar, se tudo der certo e o tempo ajudar, estaria pronta em setembro, outubro, novembro do ano que vem, no mínimo — afirma Costella.
Entre as pontes estaduais, a que se localiza entre Arroio do Meio e Lajeado, na RS-130, já teve ordem de início assinada. A nova estrutura terá 150 metros de extensão e altura superior à anterior, destruída pela enchente.
O investimento previsto é de R$ 14,05 milhões, financiados com recursos da praça de pedágio da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR). A projeção de conclusão é de seis meses.
Das pontes em rodovias federais, a que se localiza entre Caxias do Sul e Nova Petrópolis, na BR-116, é a única que já teve os trabalhos iniciados. A obra da nova travessia, que terá 180 metros de comprimento, começou em 9 de julho. Orçado em R$ 31 milhões, o trabalho tem previsão de conclusão em dezembro deste ano.
Os estragos e pontos de bloqueio que ainda persistem nas rodovias gaúchas trazem às empresas que atuam no Estado impactos logísticos e, consequentemente, econômicos, argumentam especialistas do setor.
— O primeiro problema é o custo adicional, com maior consumo de combustível para fazer os desvios obrigatórios, por exemplo. Além disso, esses desvios também fazem com que o tempo de entrega de mercadorias seja maior, e essa falta de condições logísticas ideais também pode acarretar na perda de clientes — ressalta Sérgio Gabardo, presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística no RS (Setcergs).
Uma das empresas que está sentindo esse impacto é a Tomasi Logística, com sede em Lajeado. A companhia, fundada em 1990, tem 450 caminhões e atende todo o Brasil e também destinos do Mercosul. O diretor comercial, Rodrigo Tomasi, projeta que o aumento do custo do transporte pode variar entre 10% e 25%, dependendo da região e das condições da rota de entrega.
— A gente suporta por algum tempo, mas, logicamente, após um certo período, a gente precisa repassar e chega lá no consumidor final. Essa nossa região, sendo prejudicada, acaba que os produtos que a gente transporta ficam um pouco mais caros. As indústrias e os comércios que ficam nas regiões afetadas acabam, logisticamente, sendo mais difíceis de acessar, o que gera um custo mais caro. E lá na ponta final chega ao consumidor — salienta.
Além das questões logísticas, Tomasi também aponta outra dificuldade que os motoristas que trafegam pelo Rio Grande do Sul têm enfrentado após a chuva e a enchente de maio: as condições das pistas nas rodovias.
— A qualidade das estradas está péssima. A gente vai passando por regiões com estrada de terra e, como a gente transporta alimentos, até há risco de contaminação, do caminhão ficar atolado. Até o próprio asfalto, em vários lugares, está com muitos buracos, tudo isso traz impactos — complementa.
Com o Aeroporto Internacional Salgado Filho fechado pelo menos até outubro, a malha rodoviária gaúcha ficou ainda mais demandada para o transporte de mercadorias. Por essa razão, o restabelecimento completo das rodovias do Estado se torna ainda mais urgente, argumenta Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS.
— As produções se organizam em cadeias, desde a confecção dos produtos até a entrega ao destino final. Então, qualquer aspecto que prejudique alguma etapa dessa cadeia, inclusive a circulação, encarece todo esse processo, afetando a competitividade das empresas gaúchas.
“Essa situação se agrava porque não é um problema de logística que está ocorrendo no Brasil todo, está ocorrendo especificamente no Rio Grande do Sul. Então, há um impacto direto para quem atua aqui no Estado.”
ELY JOSÉ DE MATTOS
Economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS