Margarida Blanco pode ser considerada uma das pessoas mais velhas do mundo
Margarida Blanco não se alonga na explicação dos motivos que a levaram a chegar aos 115 anos.
— Trabalhar, amar o próximo, rezar e ter fé em Deus — disse a GZH na manhã de sábado (6) em São Luiz Gonzaga, nas Missões, onde mora com uma filha.
A idosa nasceu no dia 19 de fevereiro de 1908 em Itaqui, na Fronteira Oeste, o que a coloca entre as pessoas mais velhas do mundo, se analisadas as informações da Gerontology Research Group (GRG), uma organização global que mapeia idosos com mais de 110 anos.
Além da GRG, o Guinness World Records – livro dos recordes mundiais – informa que a pessoa mais velha com data de nascimento autenticada é María Branyas Morera, que vive na Espanha, e tinha 116 anos e 66 dias no dia de publicação desta reportagem (nasceu no dia 4 de março de 1907). É, portanto, menos de um ano mais velha do que a moradora de São Luiz Gonzaga.
Assim, se Margarida Blanco tivesse os documentos validados pela GRG – que precisa ser acionada para a validação -, ela poderia ser considerada a quarta pessoa mais velha do mundo.
O tamanho da família de Margarida foi atualizado pela última vez quando a idosa completou 112 anos, em 2020: à época, eram oito filhos, 39 netos, 104 bisnetos e 31 tataranetos. Além disso, foi casada duas vezes. Margarida enfatiza o fato de “não parar” como um dos fatores que fazem com que ela consiga se manter bem aos 115 anos.
— Seria uma alegria se eu pudesse trabalhar agora como eu fazia na roça, limpar aqui, limpar ali. Mas minha vida está bem boa: se não estivesse, eu nem levantaria da cama — disse.
Ela convive com dois problemas principais: limitações na audição e artrose nos joelhos. Por isso, a idosa de 115 anos é obrigada a usar cadeira de rodas. A memória e a fala, porém, estão em dia. Lembra-se do nome dos oito filhos, de como aprendeu a rezar na infância, dos pais, das comidas de que mais gosta.
— Tenho vontade de viver. Quando Deus quiser me levar, quero estar dormindo e não acordar mais. Já pedi isso a Ele. Enquanto puder me arrumar, me lavar, quero viver —acrescentou.
Margarida vive com a filha caçula, Eloir Blanco, 74 anos, a responsável pelos cuidados da mãe. Ela acorda antes das 8h e vai ao banheiro “se lavar” sozinha. Depois, na cadeira de rodas, acompanha programas de um canal religioso na televisão. Só então toma café da manhã: ovo cozido, pão com chimia e café com leite integram o menu preparado pela filha.
No fim da manhã, quando “cansa”, deita-se até o almoço. A idosa relata que gosta de cabeça de porco assada e batata doce, mas que hoje não tem a mesma fome que tinha quando era mais jovem. Por isso, mantém uma alimentação mais leve.
— Ela come de tudo, não tem restrição: caldo de feijão, arroz, verdura. Ela come mais ovo cozido do que carne. Às vezes, toma chimarrão, mas não tem mais aquele vício de tomar de manhã cedo como antes. No verão, ela adora sorvete — contou Eloir.
O restante do dia segue a rotina da manhã, com a idosa em frente à televisão, orações e descanso na cama. Fora os problemas na audição e nos joelhos, a saúde dela está boa.
— Faz seis anos que ela não precisa ir ao hospital. Fazemos todos os anos testes para ver se está tudo bem. Os exames dela são melhores do que os meus. Não tem colesterol alto, não tem nada. Muitas pessoas com saúde boa não chegam a essa idade. Acho que ela conseguiu isso pela fé em Deus e por não parar nunca — acrescentou a filha.
A idosa é conhecida em São Luiz Gonzaga por “Vó Margarida”: recebe visitas de familiares, vizinhos e até de padre que lhe pede bênção.
— Tomara que a gente consiga ter essa força de vontade, essa garra que a vovó Margarida tem com seus 115 anos. Ela é um exemplo de fibra, de fé e de esperança — pontuou Maria De Lourdes Pereira Matzenbacker, 72 anos, amiga da família.
Alexander Daudt, oncologista e coordenador do grupo de estudo de medicina de estilo de vida do Hospital Moinhos de Vento, baseia-se nas conclusões das chamadas Blue Zones para explicar a longevidade da moradora do interior do Estado. O trabalho é dos pesquisadores Gianni Pes e Michel Poulain e foi publicado em 2004 no jornal Experimental Gerontology.
O estudo mapeou a alimentação e os hábitos da população de cinco regiões do planeta com alta concentração de idosos. Em Nuoro, na Itália, Okinawa, no Japão, Nicoya, na Costa Rica, Loma Linda, nos Estados Unidos, e na ilha de Ikaria, na Grécia, as chances de homens e mulheres atingirem os cem anos são maiores do que em grandes centros urbanos.
Daudt cita alguns dos hábitos dos mais longevos: mover-se naturalmente, comer com sabedoria, resiliência ao estresse, alimentação saudável e espiritualidade.
— A genética é 10%, 90% é estilo de vida — resume o médico sobre os motivos que podem explicar a longevidade.
O estudioso acrescenta que a longevidade ideal é aquela em que “o tempo de vida é igual ao tempo de saúde”. Ou seja, é preciso que viver mais seja acompanhado pela qualidade de vida do idoso. Daudt também destaca outros dois pontos que foram detectados pelos pesquisadores como decisivo para fazer um indivíduo viver mais: laços familiares duradouros.
— As pessoas que estavam mais satisfeitas em seus relacionamentos aos 50 anos eram mais saudáveis aos 80 anos. Ou seja: não é só saúde física, mas saúde do cérebro também. Porque esse bem-estar dos laços familiares – família, amigos, comunidade – protege nossas memórias. Provavelmente, uma pessoa que vive até 115 anos tem essa conexão forte com as pessoas.
Outro ponto importante, diz o médico, é ter um propósito de vida:
— O japonês tem uma palavra, ikigai, que pode ser traduzida como “o que te faz levantar de manhã?”. É o senso de propósito, que, quando existe, é um fator importante para quem vive mais. Quando não existe, isso está associado a um maior risco de mortalidade.