Sessão desta terça-feira teve placar de quatro a um contra recurso do Ministério Público do RS
A sexta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou, na tarde desta terça-feira (5), a anulação do júri da boate Kiss realizado em dezembro de 2021 no Rio Grande do Sul — que havia resultado na condenação dos quatro réus a penas de 18 a 22 anos de prisão. O placar final foi de quatro votos favoráveis à anulação e um contrário. Com a decisão, o júri e as penas perdem a validade por conta de irregularidades processuais.
O Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul havia acatado, em agosto do ano passado, um recurso da defesa e anulado o julgamento por conta das supostas ilegalidades no curso do processo. O Ministério Público Estadual (MP) recorreu ao STJ para manter o júri, o que passou a ser analisado pelo tribunal superior em junho, quando a sessão foi interrompida por dois pedidos de vistas, e retomado agora.
As defesas haviam recorrido ao TJ logo após as condenações. Os desembargadores gaúchos anularam o júri em agosto do ano passado ao concordar com parte das alegações, como o fato de ter havido três sorteios de jurados, em vez de apenas um (como é o usual), e uma reunião reservada do juiz que presidiu o julgamento, Orlando Faccini Neto, com o júri sem a presença de advogados de defesa. Em razão disso, enquanto os réus passaram a esperar por uma nova data em liberdade, o MP recorreu contra a anulação.
Primeiro a se manifestar nesta terça, o ministro Antonio Saldanha Palheiro (que havia pedido vistas do processo em junho) divergiu do voto do relator, Rogério Schietti Cruz, que havia defendido a revalidação do julgamento da Kiss e a emissão de novas ordens de prisão dos quatro réus. Com essa manifestação, o placar ficou empatado em um a um.
Palheiro lembrou que algumas ações adotadas no julgamento inicial teriam prejudicado a defesa, como o aumento do sorteio de jurados de 25 para 305 nomes, com escolha de alguns deles fora de prazo, e sem ampliação do tempo para análise da defesa. Também citou o encontro do juiz do caso com o júri sem presença de representantes dos defensores.
Em seguida, o ministro Sebastião Reis — que também havia pedido vistas na primeira sessão — acompanhou o voto divergente de Palheiro citando também o curto prazo que a defesa teve para analisar a lista de jurados. Para o ministro, a situação envolve “nulidades absolutas” e virou o placar para dois a um contra o MP.
Terceiro a falar, Jesuíno Rissato inicialmente concordou com o relator e lembrou que os jurados escolhidos fora do prazo habitual não participaram do conselho de sentença. Mas entendeu que a reunião do juiz sem a presença da defesa foi algo grave e concordou com a nulidade, considerando-a uma “reunião secreta”.
Disse que não suspeita da índole do magistrado, mas observou que aceitar esse tipo de medida abriria um “precedente perigoso” no sistema judiciário por não se saber o que o juiz diria aos integrantes do júri e se seria algo que pudesse influenciá-los em favor de uma parte ou outra.
— Entendo que essa nulidade é absoluta — complementou Rissato, formalizando o placar em três a um.
O voto final da ministra Laurita Vaz concordou em partes com o relator, afastando a nulidade por conta de razões como o encontro do juiz com os jurados — pelo fato de a defesa não ter se manifestado no momento oportuno —, ou do sorteio dos jurados — por não ter ficado comprovado o prejuízo à defesa. Porém, entendeu que houve a inclusão, nos quesitos apresentados aos jurados no momento do julgamento, de elementos referentes ao comportamento dos réus que haviam sido excluídos da pronúncia — acusação aceita pela Justiça.
A ministra citou a colocação, nas questões apresentadas ao júri, sobre Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann (sócios da Kiss) terem supostamente impedido a saída de clientes pelo risco de não terem pago suas contas, e de Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos (vinculados à banda que se apresentava na boate) não terem usado o sistema de som da casa para avisar os frequentadores sobre o incêndio. Esses pontos foram excluídos da acusação na Justiça, mas mantidos nas questões encaminhadas ao júri.
— Os jurados foram questionados sobre esses fatos, acrescentando sordidez ao comportamento (dos réus) — afirmou a ministra, finalizando o escore em quatro a um contra o recurso do MP Estadual e confirmando a anulação de um dos júris mais polêmicos da história da Justiça gaúcha.