Em regiões afetadas pela enchente, a mesma terra que foi devastada pela água é a que faz brotar esperança para o trabalho. Na Região Metropolitana, produtor vê nas próximas safras a motivação para seguir na atividade
Quando os versos cantaram que no Rio Grande do Sul “tudo que se planta cresce e o que mais floresce é o amor”, a música também falava sobre uma dedicação de quem lida com a terra. No Dia do Agricultor, celebrado neste 28 de julho, a resiliência dos produtores volta à cena com ainda mais importância depois da enchente que devastou produções inteiras no Estado.
Sem colher por mais de 60 dias desde que a chuva inundou a lavoura, o produtor de hortaliças Antônio Fernando Brandão Pacheco, 39 anos, tira da mesma terra devastada a esperança para as novas colheitas. A água encharcou não só as hortas de oito hectares às margens da Rodovia do Parque, no bairro Mato Grande, em Canoas, mas também a casa do agricultor e da sua família.
Pacheco teve de esperar a água baixar e a terra secar para então ver o que se aproveitava. Só agora se prepara para colher os primeiros pés de alface e outros verdes da temporada, que serão comercializados na Ceasa e em fruteiras locais.
— Todos os dias eu pensava em desistir (pausa o relato e respira fundo). Trabalhamos no giro, colho hoje para vender amanhã. Está sendo difícil, mas eu gosto do trabalho. Vejo o verde e fico louco para colher — diz o agricultor, apontando para as plantas novinhas brotando no horizonte.
A propriedade familiar emprega, ao todo, oito funcionários. O sustento desses trabalhadores também serve de incentivo para a continuidade da produção, mesmo após a pausa forçada:
— Sempre tem de ter esperança. Tem de recomeçar. São mais pessoas que precisam de mim e eu preciso deles. Vamos trabalhar.
ANTÔNIO FERNANDO BRANDÃO PACHECO
Produtor de hortaliças
Sensíveis às variações do clima, as hortaliças costumam ser as mais afetadas durante as intempéries. Sofrem no excesso de calor, na chuva volumosa, na geada e no granizo. Mas são também cultivos de ciclos mais rápidos que outras culturas, como os grãos, rendendo produções durante o ano todo às famílias que vivem das folhosas.
A noção de perspectiva, o horizonte, é o que mantém os agricultores na atividade.
— Todo mundo ficou em estado de pavor na enchente, ninguém mais queria saber de plantar. Mas não adianta, depois que sentam as ideias, é sempre um recomeço — diz Evandro Finkler, presidente da Associação dos Produtores Hortigrangeiros da Ceasa/RS, sobre os ciclos de altos e baixos inerentes da profissão.
Muitos produtores ainda não retornaram para os seus boxes na central de abastecimento da Capital, segundo Finkler. A ausência se dá pela própria falta de ter o que vender, principalmente entre os agricultores da Região Metropolitana e do Vale do Caí. O cenário tende a normalizar nos próximos meses, quando as frutas entram no calendário de colheita e abastecem os estandes.
Claudinei Baldissera, diretor técnico da Emater, lembra que o agricultor tem funções social e ambiental “extremamente grandes” ao produzir alimentos e cuidar dos recursos naturais. E que isso precisa ser valorizado:
— Em condições normais, ser agricultor é uma profissão que enfrenta situações naturalmente postas, dos desafios do clima para produzir aos de mercado para comercializar. Em 2024, essas condições se tornaram extremas, exigindo ainda mais resiliência. É uma data que tem de ser comemorada por toda a sociedade, principalmente por quem consome os alimentos que estão todos os dias na nossa mesa.
Passado o momento de calamidade, é chegada a hora da reconstrução. Apesar de todo o prejuízo e das perdas em vidas, terras e infraestrutura, o diretor técnico da Emater diz que permanece o sentimento de esperança entre os produtores rurais. Inclusive entre os jovens, mostrando que mesmo os que não praticavam a agricultura estão de alguma maneira se envolvendo com a atividade.
Conforme os prognósticos até aqui lançados, a safra de inverno tem um cenário positivo de condições climáticas, o que deve resultar em boa produção. Segundo a Emater, a colheita este ano deve ser 55,5% maior no Rio Grande do Sul em relação ao ano passado, que também teve problemas por chuva.
O inverno costuma ser um rendimento extra para os produtores que apostam com mais força nos cultivos de verão, como a soja e o milho. Neste ano, diante da enchente, o trigo e a canola, típicos da estação fria, podem ser a única safra cheia de 2024 para alguns agricultores.
São esperadas 5,2 milhões de toneladas de cereais colhidas do Estado, considerando todas as culturas de inverno. A safra de trigo, que tem no Rio Grande do Sul a maior produção nacional, está projetada em 4 milhões de toneladas, alta de 55,2% sobre 2023.
Já a safra de verão, apesar da previsão de La Niña e quem sabe estiagem, coloca no horizonte dos agricultores uma motivação para seguir nas propriedades no longo prazo. O próximo ciclo ainda está distante de ser plantado, mas já começa a ser planejado nas fazendas.
Presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no RS (Fetag-RS), Carlos Joel da Silva lembra que há muitas situações em que as entidades rurais assumem o papel de escuta ativa dos produtores, incentivando-os a permanecerem na atividade. Especialmente nestes momentos, a resiliência dos agricultores emociona:
— Recentemente, voltei ao Vale do Taquari e pensava sobre o que é a força que vem da terra. Enquanto nas casas as pessoas ainda tiravam o barro, a horta ao lado já estava sendo preparada para o plantio seguinte. O agricultor perde tudo em um ano e volta no próximo acreditando que tudo vai ser diferente. É um dom — diz Joel.