Técnico concedeu entrevista exclusiva para GZH e falou sobre trabalho, legado no clube e principais memórias
Aos 61 anos e com um currículo recheado de conquistas, Renato Portaluppi ainda mantém sua fome de vitórias no Grêmio. É esse o segredo que move o técnico no dia a dia. Nesta terça-feira (9), contra o Huachipato, pela Libertadores, o ídolo tricolor chega à marca de 500 jogos como técnico do clube.
O ex-camisa 7 não para de acumular marcas históricas. As mais recentes vieram no último sábado. O título do Gauchão, seu décimo pelo Tricolor, o igualou a Foguinho no topo da lista de comandantes com mais taças no clube. Também o colocou junto de Cláudio Duarte e Foguinho como os maiores vencedores do Estadual, com cinco cada.
Em entrevista exclusiva à GZH antes das decisões contra o Juventude, o técnico falou sobre os feitos do passado e os objetivos que ainda o movem.
O que esse número de 500 jogos representa na sua vida?
Sou um privilegiado, né? Dificilmente um treinador hoje em dia vai completar 500 jogos no clube. Até pela pressão que o treinador sofre. Mesmo sendo o Grêmio, completo 500 jogos porque ajudei a dar resultado. É impossível hoje em dia um treinador completar 500 jogos no clube. Porque o treinador brasileiro tem de dar a resposta imediata. Eu mesmo me surpreendi quando me falaram dessa marca. Eu falei, 500 mesmo? É uma marca histórica. Lembro desde a primeira vez que eu cheguei aqui no Grêmio. Desde 2010, toda vez que eu passei aqui, eu dei resultados.
Qual é o peso de ser o técnico com mais títulos na história do clube, ao lado de Foguinho?
Não tenho nem dimensão. Com todo o respeito ao Foguinho, mas naquela época não tinha tanta pressão em cima do técnico. Hoje já tem. Me sinto orgulhoso. Estou igual ao Foguinho, que foi um grande treinador, fez história no clube. Da mesma forma que eu estou fazendo agora. Eu tenho a possibilidade de ajudar o clube a ganhar mais um título e me isolar com 11 títulos. É título para caramba.
Agora você também é o técnico com mais títulos de Gauchão junto do Cláudio Duarte e do Foguinho.
É recorde sobre recorde. Se você for analisar o trabalho que eu tenho aqui no Grêmio, é fantástico. Nos dias de hoje, é fantástico. É isso que eu falo. Ninguém bate esses recordes, marca sobre marca, à toa. Para mim é um privilégio porque eu sempre me dedico ao máximo em busca de resultados, de títulos.
Você ainda entende que tem essa mesma vontade todo os dias de conquistar mais títulos?
Quero o leão com fome, independentemente do tempo aqui, do salário. Eu não quero o leão sem fome. Porque o leão com fome não tem mais vontade de comer e nem de ganhar. Não gosto de perder. Cobro deles muito no dia a dia e no jogo. Exatamente por isso. Porque falo para eles, quero transformar vocês em campeões e fazer com que entrem para história do clube. Me dou como exemplo para eles. Ganho, tenho muitos títulos, mas eu quero cada vez mais. Quero ser todo ano campeão. Eu corro atrás, trabalho para isso. Então, para mim, o jogador de futebol tem que ter fome. Se está ali a profissão dele, ele tem que correr atrás.
Quero o leão com fome, independentemente do tempo aqui, do salário. Eu não quero o leão sem fome. Porque o leão com fome não tem mais vontade de comer e nem de ganhar. Não gosto de perder
RENATO PORTALUPPI
O futebol proporciona confortos. Mas e quanto aos sacrifícios?
Eu sou o maior exemplo disso. Minha família, meus melhores amigos moram no Rio. Tenho a minha praia, meu futevôlei, sou apaixonado pelo Rio. Eu abdico de tudo. Eu me desligo um pouco quando eu consigo dormir. Acordado, estou pensando no treinamento, no time que vai jogar, no que pode acontecer no dia do jogo. Aí termina aquela partida, já começo a pensar no próximo adversário. Sou um dos primeiros a chegar no clube, um dos últimos a ir embora. Faço minhas refeições no clube. Adoro ficar lá no CT. Como todo dia lá. Sempre chego bem antes do meu grupo. Termino, o pessoal vai embora, eu vou para o refeitório, fico lá batendo papo com as gringas, que são as cozinheiras, converso com todo mundo, almoço lá. Minha vida é o Grêmio.
Você acha que quando o exemplo parte do comandante, é mais fácil de cobrar do jogador?
Tudo, tudo, tudo parte do comandante. Porque o jogador de futebol, ele fica ligado. Em primeiro lugar, o comandante tem que ter pulso firme e os caras acreditarem nele. A palavra-chave é comando. Nunca tive um problema com jogador. Tudo é essa habilidade. Tudo é ter o comando. O treinador tem de ter o vestiário. Mas não é ser o coronel. Você tem que ter o jogo de cintura para ter esses caras também do lado. E saber cobrar na hora certa. Eu costumo falar assim, que mordo e assopro. Chamo atenção, xingo muito na hora que precisa, mas ao mesmo tempo faço carinho, porque eles sabem que é para o bem deles. Porque se o treinador perder o comando, aí já era. E no futebol, meu amigo, 70% é comando. É vestiário.
Quando é que surgiu a tua vontade de ser técnico?
Quando eu estava terminando minha carreira, meus amigos sempre falavam: “pô, Renato, acho que você ia dar um baita técnico pela tua liderança”. Fui amadurecendo essa ideia. Uma, que eu me preparei para parar. Porque a maioria dos jogadores não se preparam para parar. Quando vem, não dá mais para correr, não guardaram dinheiro. E daqui a pouco o cara sai do anonimato. Eu me preparei, que é fundamental. Parei, para falar a verdade, até novo. Parei com 36 anos. Poderia ter continuado.
Teu primeiro jogo como técnico foi em 1996. Uma vitória por 2 a 1 do Fluminense sobre o Inter.
Eu estava recuperando meu joelho. Eu não queria, aí o grupo pediu. “Renato, a gente só vai escutar se você ser nosso líder, a gente não quer o treinador. Faltavam alguns jogos, pô, fica como o treinador”. Foi exatamente isso, contra o Inter. Sempre o Inter na minha vida.
Como é que foi essa transição de sair do vestiário como jogador e voltar como técnico?
Terrível. Você tem de dar aquele tempo. Uma coisa é você ser jogador, aí daqui a pouco você está na beira do campo. Quando jogador, sabia que eu estava lá dentro do campo. Poderia resolver e ajudar meus companheiros. Hoje, fora do campo, eu dependo deles. Então, tem coisas que você tem que dar um tempo.
São 500 jogos. Dá para guardar na memória algum momento especial?
Não tem como você não lembrar dos títulos. São os mais importantes. São 500 jogos, mas título, é título, cara. O título fica sempre na memória. A tua volta olímpica, entendeu? A tua festa, a tua conquista ali, o que aconteceu naquele dia, pô, são cenas marcantes que não saem da cabeça. Principalmente na minha volta em 2016, onde o Grêmio estava há 15 anos na fila, com todo mundo sacaneando. Aí vencemos aquela Copa do Brasil. No ano seguinte, lá contra o Lanús, eu lembro até hoje daquela partida. Enfim, são coisas que não tem como você esquecer. Todos os títulos ficam marcados, ficam na memória e não tem como esquecer.
Você acha que passa batido esse teu lado disciplinador no vestiário por ser uma pessoa divertida?
Eu digo que 90% dos clubes do Brasil não fazem o que eu faço. Caixinha. A caixinha, ela é água no deserto. Para quem entende de futebol, para quem quer comandar o futebol, para quem quer ter o vestiário, ela é água no deserto. Por quê? Porque a caixinha, eu monto as regras todo ano. Então está lá, claro que eu não vou falar todas as regras aqui, porque nós vamos ficar a tarde toda falando. Mas tem umas, sei lá, umas 20, 30 regras que eu não abro mão, que eu faço. Mas as principais. Chegou atrasado, multa. Foi expulso, deixou o time na mão, multa. Porque o companheiro tem que ter respeito pelo companheiro.
E como funciona essa dinâmica no Grêmio?
Tem 20, 30 regras, não vou ficar aqui falando todas as regras. Eu nunca tive problema com nenhum jogador. A coisa funciona direitinho. Você não tem um jogador gordo no Grêmio, todo mundo chega no horário. Um problema familiar é diferente. Agora, ah, perdi a hora. Eu falo para eles: “não precisa ir nem no banco, já vem descontado, fica tranquilo”. Quando você vê, no final do mês, está lá, X de multa. Esse dinheiro, não é para mim, nem para o clube, esse dinheiro é deles. Eles abrem uma conta, no banco. No final do ano, o dinheiro é deles. E eles fazem o que quiser com o valor.
Eu não quero te aposentar, Renato, mas você pretende trabalhar até quando?
É, a minha família mesmo fala: “chega”. Eu gosto, eu gosto de ajudar o jogador, entendeu? E praticamente, se eu deixar a minha vida de lado, pela minha profissão, basicamente eu tenho isso desde que comecei a jogar, né? Para 17, para 18 anos. Porque quando era jogador, também, não tinha tanta preocupação assim. Mas eu estava sempre concentrado em viajando. Quer dizer, a minha infância, a minha juventude, eu praticamente aproveitei como todo mundo gosta de aproveitar. Todo final de semana de folga, para fazer o que bem entender. E no final de semana eu estava concentrado. Hoje eu continuo concentrado. Aí você vai me falar, mas quanto tempo mais, Renato? Cara, não sei. Não sei, mas daqui a pouco eu vou parar.
E para quem ganhou tanto como jogador e como técnico, o que te dá mais prazer?
Ver o meu torcedor alegre. Ver o sorriso na cara dos nossos torcedores é o que mais me deixa feliz. Se o nosso torcedor está feliz, é porque a gente está dando essa alegria para ele. Isso não tem preço.
Mas prefere ter sido o protagonista ou ser o cara que montou a estrutura para alguém fazer?
Lembro até hoje do que eu fiz com o Gustavinho. Desde o primeiro dia, foi o maior prazer ver um jogador jogando bem. Eu ter ajudado. Ele crescendo na profissão. Mostro o melhor caminho, mostro o jeito que tem que se comportar ali no campo, na parte tática, tudo dou o conselho e lapido. Às vezes, pego o jogador bem mais experiente e falo para ele também. “Olha, você está fazendo uma coisa errada”. Não é porque o cara é experiente que não vai aprender. Eu aprendo também. Você tem que aprender. Então procura jogar desse jeito, se comportar dessa maneira, deixar o corpo desse jeito aqui, que você vai evoluir mais. Imagina um garoto, então. Agora, o prazer que eu tenho é esse, de formar o jogador, lapidar o jogador, e ele crescendo na profissão dele. E eu, quando era jogador, era bem melhor, tinha menos preocupação, não precisava ensinar ninguém, eu pedia a bola. O que eu mais fazia era xingar meus companheiros quando eles não me davam a bola, porque eu queria a bola o tempo todo, porque eu me garantia, tinha muita confiança em mim. Mas hoje em dia essa confiança eu passo para eles.