Número de professores também caiu; especialistas analisam desafios para os estudantes
A segunda-feira (19) marca o retorno às aulas de milhares de estudantes das redes municipal, estadual e particular do Rio Grande do Sul. Conforme a Secretaria da Educação do Estado (Seduc), até o momento, cerca de 715 mil alunos estão matriculados em 2.342 escolas da rede pública gaúcha. Isso representa uma queda de, pelo menos, 28 mil em relação ao ano passado, quando foram registradas mais de 743 mil matrículas no início do ano letivo — o número foi atualizado pela secretaria na manhã desta segunda-feira.
Os estudantes estão divididos entre Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação Especial e Educação para Jovens e Adultos (EJA). O balanço não é definitivo, conforme a Seduc, uma vez que a efetivação de matrículas segue ocorrendo nas escolas nessas primeiras semanas. Mesmo assim, a pasta não confirma em quanto espera aumentar o número de alunos nem se será capaz de chegar ao montante de estudantes de 2023.
Para o professor Mateus Saraiva, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), uma das explicações para a redução é a evasão escolar. Para ele, as políticas públicas não dão mais conta dos problemas, não sendo capazes de manter, especialmente, os jovens na escola.
— Os dados mostram que a maior parte dos jovens abandona a escola até os 17 anos, ou seja, enquanto a educação ainda é dever do Estado. Isso demonstra que estamos falhando. Faltam políticas sociais para fazer com que os alunos não deixem de frequentar a escola, como aqueles que sofrem com a pressão do mercado de trabalho — explica o pesquisador.
Na tentativa de manter os jovens na escola, a Seduc anunciou que aderiu ao Pé-de-Meia, iniciativa do governo federal que prevê repasse anual de R$ 3 mil por estudante. Funcionará como um complemento ao programa do governo do Estado que existe desde 2021, o Todo Jovem na Escola, que garante o pagamento de bolsas a estudantes de baixa renda do Ensino Médio como estratégia para reduzir os índices de evasão. Uma “nova versão” do programa gaúcho deve ser apresentada em breve.
Sempre polêmico, o número de professores também é menor para o início do ano letivo de 2024. Atualmente, o quadro conta com 49,7 mil profissionais. No ano passado, eram 57 mil, conforme apuração de GZH na época. Questionada sobre o número de 2023, a Seduc não respondeu.
A pasta afirma que não há déficit no quadro de profissinais, considerando o número de efetivos e temporários. Atualmente, 24 mil professores da rede têm contratos temporários. No total, 51% são efetivos e 49% temporários, informou a secretaria.
Ainda como medida para ampliar o quadro, está previsto para o segundo semestre de 2024 um novo concurso público com 3 mil vagas para contratação de educadores de todas as disciplinas. Será o primeiro certame do magistério estadual com prova prática. Ainda não há previsão de publicação do edital.
Em meio aos desafios para o ano letivo de 2024, os debates sobre a reforma do Ensino Médio seguem a todo vapor. Um dos encaminhamentos alinhados na Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024, que ocorreu em janeiro, é a revogação do Novo Ensino Médio, mas a proposta depende de aprovação no Congresso Nacional.
Prestes a iniciar o terceiro ano de implementação do novo modelo, que encerra o ciclo do Ensino Médio no novo formato para alunos que ingressaram em 2022, o governo do Estado atualizou novamente a matriz curricular da etapa nas escolas estaduais. Publicada no dia 29 de dezembro de 2023, a nova matriz inclui disciplinas eletivas que buscam garantir aprofundamento da formação geral básica para os alunos do 3º ano, com aulas de redação e resolução de problemas. Já havia sido feita uma mudança no currículo no início de 2023.
Para a pesquisadora Ângela Chagas, doutoranda da Faculdade de Educação da UFRGS, na prática, essas mudanças não ajudam a resolver o problema como um todo.
— A Seduc publicou essa nova matriz no apagar das luzes de 2023, quando as escolas estavam em recesso, com pouco tempo para as escolas se prepararem. Na verdade, é uma contenção de danos, tendo em vista o prejuízo na formação desses estudantes. É uma tentativa de minimizar os problemas causados por essa reforma — argumenta.
Segundo a titular da Seduc, Raquel Teixeira, essas alterações são provisórias, até que a reforma do Ensino Médio seja regulamentada e atenda às necessidades dos estudantes.
— Estamos fornecendo uma carga extra para os alunos do 3º ano para não prejudicá-los. Isso vai ajudar os alunos a serem aprovados no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Mas não pode ficar assim a vida toda. Tem que haver uma regulamentação para que a gente possa seguir a formação necessária e ter a manutenção da flexibilidade curricular, com a possibilidade de trilhas diferentes, essas são ideias consolidadas — destaca a secretária.
Em janeiro, a Seduc também iniciou a formação de professores para implementar o Ensino Médio em tempo integral em 2024, para apresentar aos docentes a nova matriz curricular. Desde o início de sua gestão, Eduardo Leite declarou que implementar o turno integral nas escolas gaúchas é uma de suas prioridades. Para cumprir a promessa do programa, de ter 50% das escolas nesta modalidade até 2026, o governo do Estado está ampliando a rede. Neste ano letivo de 2024, a rede estadual passa a ter 205 escolas de Ensino Médio com turno integral, sendo que havia 111 até o ano passado. Levando em consideração todas as etapas de ensino, no total, são 281 instituições de Educação Básica com turno integral.
Segundo a secretária Raquel Teixeira, estas 205 representam 18% das escolas da rede com Ensino Médio. O objetivo é alcançar 25% em 2025 e dobrar esse número em 2026. Para isso, as escolas precisam de mais infraestrutura e melhores condições para os professores, avalia o Sindicato das Professoras e Funcionárias de Escola do RS (Cpers).
— Estamos vivenciando um momento de tensão na categoria com a implantação do tempo integral. O governo orienta que os professores tenham carga horária de 40 horas na escola, com dedicação exclusiva. Isso tem gerado desconforto para muitos colegas que fazem só 20 horas. Outro problema é a falta de infraestrutura nas escolas para receber esses alunos, tem muitos problemas básicos que ainda não foram resolvidos — diz a presidente da entidade, Helenir Aguiar Schürer.
Fundada em 1977, a escola Governador Walter Jobim, de Viamão, está prestes a iniciar o segundo ano com turno integral no Ensino Médio. A instituição na Vila Aparecida também conta com turmas de Ensino Fundamental e EJA e atende a cerca de 850 alunos. Agora, a escola está implementando o turno integral nos anos finais do Fundamental.
A ampliação começou em 2023. A instituição passou por intervenções para qualificar seus espaços, com a ampliação do refeitório, a instalação de ar-condicionado e televisores nas salas de aula. Para o diretor, William Eckardt Sodré, 2023 foi um ano excelente, e a perspectiva é qualificar ainda mais o ensino em 2024.
— Temos algumas desistências de estudantes, isso acontece, de pais que querem que os alunos trabalhem. Seja por necessidade, ou por entenderem que isso será parte importante da formação. Mas estamos esperançosos. Estamos desenvolvendo um bom trabalho, está se tornando um trabalho de excelência aqui na escola. Temos a convicção de que será um ano muito positivo com essa implementação — destaca o diretor. A escola conta com equipe de 72 funcionários e professores.
Embora o programa Agiliza Educação tenha contribuído para garantir melhorias na infraestrutura das escolas, diversas instituições de ensino ainda estão com problemas estruturais, incluindo algumas atingidas pelos temporais registrados em 2023 no RS. De acordo com a Secretaria de Obras Públicas, o ano letivo começa com oito escolas ainda interditadas. Todas estão atendendo os estudantes provisoriamente em espaços alternativos.
É o caso da Escola Estadual de Ensino Fundamental Antônio de Conto, na comunidade de Jacarezinho, município de Encantado. O prédio ficou debaixo d’água durante a enxurrada de setembro. Após, um segundo evento climático, a escola perdeu tudo e a construção ficou sem teto. Com isso, os 180 alunos foram realocados para a Escola Municipal de Ensino Fundamental Osvaldo Aranha, para concluírem o ano letivo de 2023.
A antiga escola estava fechada há um ano, e tinha espaço para cerca de 20 alunos, somente. A falta de estrutura para comportar os funcionários e estudantes da Antônio de Conto levou a direção a pedir que seja feita reforma superficial no prédio original, para que eles voltem para lá, mesmo não sendo o espaço ideal.
— A Seduc autorizou a reforma na nossa escola. Será construído um novo prédio, mas não podemos esperar, estamos com muitos transtornos. O prédio da Osvaldo Aranha é muito antigo, tem problemas na rede elétrica, só um banheiro para 230 pessoas, o ar-condicionado não funciona. Vamos começar o ano letivo assim, mas queremos ir o quanto antes para a escola antiga, quando estiver em condições razoáveis — conta a diretora, Vanessa Gianezini.
Em 2023, foram investidos R$ 95,5 milhões em obras pelo programa Lição de Casa. Segundo a secretária Izabel Matte, 2024 será um ano de maior velocidade no atendimento das demandas, por conta da adoção do modelo de ata de registro de preços na contratação dos serviços.
— Concluir as obras nas escolas é prioridade máxima do governo. Temos que agir com pressa, mas não podemos fazer as coisas mal feitas. Queremos fazer bem feito e estamos nos esforçando para conseguir entregar as escolas o mais rápido possível — reforça a secretária. Nesta segunda-feira (19) estão sendo entregues as obras do Instituto de Educação General Flores da Cunha, que estava fechado desde 2016.