Iniciativa que autoriza empresas a destinarem parte do ICMS devido para aparelhamento das forças estaduais já aplicou R$ 91 milhões
Pioneiro no país, o programa estadual de incentivo à segurança pública já destinou mais de R$ 91 milhões para a compra de armas, viaturas e equipamentos e a ações de prevenção à violência no Rio Grande do Sul. Ativa desde agosto de 2019, a política viabilizou a compra de 1,9 mil armas, quase 300 viaturas e mais de 700 itens de proteção aos policiais.
Chamado oficialmente de Programa de Incentivo ao Aparelhamento da Segurança Pública (Piseg), o mecanismo permite que as empresas destinem até 5% do que pagariam de ICMS para o aparelhamento da segurança pública. Na prática, em vez de o imposto passar pelo caixa do governo e depois ser redistribuído, vai diretamente para o aparelhamento das forças estaduais.
Conforme dados compilados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) a pedido de GZH, o programa já recebeu R$ 132,15 milhões em recursos de ICMS. Desse montante, R$ 91,08 milhões já foram empregados e os outros R$ 41,07 milhões estão em caixa aguardando destinação em futuras licitações.
Do dinheiro gasto, a maior fatia foi direcionada à compra de viaturas. Foram R$ 72,5 milhões, ou quase 80% do que já foi desembolsado, resultando na aquisição de 294 veículos. Para reforçar o armamento, foram alocados R$ 6,9 milhões, suficientes para obter 1.987 armas.
Outros R$ 2,9 milhões financiaram 748 novos equipamentos de proteção, como coletes e capacetes, e R$ 1 milhão a compra de outros itens, como drones, computadores, desfibriladores e rádios de comunicação.
Em outra frente, R$ 7,5 milhões foram aplicados em ações de prevenção à violência, que atendem principalmente crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. São ações como a destinação de kits para torneios de xadrez nas escolas e o torneio conhecido como Taça das Favelas, que promove inclusão social por meio do esporte.
Desde o lançamento do programa, 816 empresas já destinaram uma fatia do ICMS devido diretamente para a segurança pública. Juntas, elas já realizaram mais de 7.656 compensações no Piseg.
O maior valor destinado em uma única compensação foi de R$ 1,3 milhão – a SSP não divulga qual a empresa responsável pelo aporte.
Além do valor repassado, que será descontado do imposto, a empresa precisa fazer uma doação extra de 10% sobre o valor do repasse. Por exemplo: se compensar R$ 2 mil em ICMS, a empresa precisa fazer uma doação de R$ 200, que é aplicada no financiamento das ações de prevenção.
Desde a abertura da possibilidade de repasses ao Piseg, em 2019, o valor de ICMS direcionado pelas empresas à segurança pública tem crescido a cada exercício. No primeiro ano cheio de vigência do programa, em 2020, foram alocados R$ 20,38 milhões. O montante subiu nos anos seguintes e, em 2023, superou os R$ 46 milhões.
Embora pareça pequeno diante do orçamento total da Secretaria de Segurança Pública, que supera os R$ 11 bilhões ao ano, o montante é maior, por exemplo do que o repasse recebido pelo Rio Grande do Sul do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), que será de aproximadamente R$ 42 milhões em 2024.
Secretário da Segurança Pública, Sandro Caron ressalta que os projetos financiados pelo Piseg passam pelo aval de um comitê interno da SSP, para que estejam de acordo com a linha de atuação da pasta.
— Já trabalhei em vários Estados e acho uma grande marca do Rio Grande do Sul, quando comparado com outras realidades, ter muita atuação da iniciativa privada, da sociedade civil e dos municípios na segurança pública. O Piseg é um programa muito importante que vem nessa linha — avalia Caron, que é delegado da Polícia Federal.
Nos planos da pasta, está ampliar a quantidade de compensações feitas pelas empresas.
— Ao longo desse ano, a equipe da SSP que trata do Piseg vai promover reuniões em vários municípios com autoridades e representantes da sociedade civil para explicar o Piseg e incentivar cada vez mais investimentos — assinala o secretário.
Conforme decreto do governador Eduardo Leite, o Piseg pode receber até R$ 115 milhões anuais do ICMS.
Apesar de ter começado em 2019, na gestão de Eduardo Leite, o Piseg teve origem no ano anterior, com a aprovação da lei estadual de incentivo à segurança, proposta pelo então governador José Ivo Sartori após sugestão do deputado estadual Ronaldo Santini.
A legislação foi a primeira no país a autorizar o repasse direto de parte do imposto devido à área da segurança pública, reprisando o que já era feito no caso da cultura e do esporte. Naquele período, foi vista como uma alternativa para aparelhar as polícias e frear o crescimento dos índices de criminalidade.
Em 2023, a Assembleia Legislativa aprovou duas modificações na lei original: a permissão para o uso do dinheiro na ampliação, manutenção e reforma de prédios da segurança pública e a cedência de recursos para as guardas municipais — esta última ainda em fase de regulamentação por parte do governo.
Até o momento, não foram destinados recursos para essas duas rubricas.
No cotidiano das forças de segurança, o Piseg é visto como um mecanismo que reforçou o aparelhamento das polícias estaduais. Responsável pelo patrulhamento de 21 bairros no centro-sul de Porto Alegre, o 1º Batalhão de Polícia Militar (1º BPM) foi um dos que mais receberam recursos por meio da iniciativa. A SSP não divulga números, mas confirma que o batalhão obteve “investimentos significativos”.
Comandante do Batalhão de Ferro, como é conhecida a unidade, o tenente-coronel Márcio Luiz da Costa Limeira relata que a entrega mais recente ocorreu na primeira quinzena de março, quando foram adquiridas seis novas motocicletas de 300 cilindradas para utilização no policiamento ostensivo. No ano passado, também foram comprados cinco fuzis e quatro espingardas calibre 12.
— Hoje o governo faz a gestão dos investimentos na segurança de forma ampla, atendendo os 497 municípios. Esse programa permite que os comandantes de unidade, os delegados e os gestores consigam mobilizar os empresários da sua área para abraçar um projeto, fazendo com que esse recurso venha direcionado para o local — aponta.
O tenente-coronel diz que uma das estratégias para captar as contribuições é apresentar os detalhes do programa tanto para os empresários quanto para o setor contábil das empresas, a fim de detalhar o abatimento da contribuição no pagamento do ICMS.
— Quando realizamos uma entrega (de itens adquiridos), chamamos os doadores e também outras empresas que demonstram interesse em participar. A partir do momento que ele (empresário) enxerga que isso se transforma em um retorno para a segurança pública, se transforma em um doador — salienta o militar.
Conforme a Secretaria de Segurança Pública, os recursos do Piseg já beneficiaram 216 municípios, o equivalente a 43% das cidades gaúchas.