Quatro réus continuam presos por homicídio duplamente qualificado pela morte de Luciano Boeira Melos, 27 anos. Julgamento ainda não tem data definida e caso continua sem respostas
Uma emboscada planejada para que um caminhoneiro fosse morto e a traição de uma mulher, perdoada. Essa foi a conclusão da Polícia Civil, corroborada pelo Ministério Público (MP), sobre o que aconteceu com Luciano Boeira Melos, 27 anos, depois de sair do interior de Bom Jesus para encontrar Fabiana Saraiva, mulher com a qual se relacionava. Ela, o marido dela, Felipe Silveira Noronha, o pai, José Balduíno Saraiva, e o cunhado, Flávio Silveira Noronha, continuam presos por homicídio duplamente qualificado, e mantêm silêncio sobre o crime. Mesmo com as investigações concluídas, denúncias ainda são feitas sobre possíveis lugares onde o corpo pode estar, mas o mistério sobre o paradeiro do caminhoneiro e o que, de fato, aconteceu com ele, completa um ano nesta sexta-feira (26) sem respostas.
Segundo o delegado responsável pelo caso, Gustavo Costa do Amaral, que conversou com a reportagem no início de julho, a investigação foi encerrada em 28 de setembro do ano passado, quando o inquérito foi concluído. Entretanto, a polícia continua verificando informações novas que eventualmente chegam na delegacia.
— Este ano ainda, não recordo o mês, teve uma nova denúncia (sobre o paradeiro do corpo). Mas a polícia costuma receber mensagens da população sobre diversos casos e estas informações são verificadas. Como este foi um caso de ampla divulgação na mídia, a polícia ainda recebe mensagens sobre possível localização do corpo, contudo, nenhuma delas foi procedente — conta Amaral.
De acordo com a denúncia do MP, na terça-feira, 25 de julho de 2023, Felipe teria descoberto a traição de Fabiana. O casal foi até a casa dos pais dela, que fica na mesma rua onde a família do caminhoneiro mora, na localidade de Hortêncio Dutra, para informar que se divorciaria. Entretanto, o divórcio não ocorreu e ainda naquele dia Luciano teria começado a receber ameaças de Felipe e do pai de Fabiana, José.
No dia seguinte, Luciano teria recebido uma mensagem de Fabiana marcando um encontro. O caminhoneiro afirmou para o meio-irmão, Lucas Silva, que estranhou as mensagens enviadas por ela e que estava preocupado de ser uma emboscada. Ainda nas mensagens trocadas com o meio-irmão, Luciano disse que precisava se esconder, alegou estar sendo ameaçado e mencionou querer comprar uma arma para se defender. Depois de sair para encontrar com a mulher, por volta das 19h30min daquele dia, o caminhoneiro não foi mais visto.
Ao longo das investigações, diferentes evidências sobre a possível existência de um homicídio foram levantadas pela Polícia Civil. Os quatro réus receberam propostas informais para um acordo de colaboração premiada, para que indicassem onde o corpo está. Entretanto, nenhum deles aceitou colaborar com a polícia e os quatro optaram pelo direito de permanecer em silêncio.
— Os indivíduos acreditavam erroneamente e inclusive falaram que “se não há corpo, não há crime”. O corpo não foi encontrado pois foi uma execução planejada em uma zona rural imensa. Os suspeitos tiveram uma madrugada inteira para ocultar os vestígios do crime sem a presença de pessoas. Apesar de o corpo não ter sido localizado, foram encontradas diversas provas que demonstraram o cometimento do crime — diz o delegado.
Algumas das provas mencionadas por Amaral são conversas telefônicas, que os quatro apagaram e a polícia recuperou, onde Felipe e José diziam que matariam Luciano, além do descarte da moto usada por ele na noite em que desapareceu simulando um acidente no Rio dos Touros e áudios enviados por Luciano dizendo que estaria indo se encontrar com Fabiana e que, caso algo acontecesse, a família saberia onde procurar.
Além disso, as investigações apontaram que os réus tentaram criar um falso álibi de que estariam fazendo manutenções em um veículo no dia do crime, coagiram testemunhas, divergiram e mudaram os depoimentos à polícia, e destruíram provas. Conforme o delegado, desde aquela quarta-feira Luciano não deu qualquer sinal de vida que pudesse mudar o rumo das investigações.
— Há filmagens que mostram a vítima entrando numa estrada e, a partir daí, desaparecendo do mundo sem nenhum sinal de vida. Ele não utilizou cartões de crédito, não movimentou contas bancárias, não utilizou telefone, não foi visto em nenhum lugar, apesar da ampla divulgação de seu rosto nos jornais. Também foram localizados outros elementos que demonstraram a execução da vítima, como áudios do próprio Luciano afirmando que estaria indo ao encontro, que estava com medo de ser uma armadilha, a moto utilizada por ele jogada em um local diverso do encontro. A forma que a moto foi encontrada deixa claro que houve um descarte do veículo de maneira proposital — conta Amaral.
Segundo o delegado, ainda nos dias atuais é possível que novas operações de busca pelo corpo do caminhoneiro mobilizem as forças de segurança, desde que hajam informações mínimas que possam direcionar os trabalhos. Ao longo do primeiro ano do desaparecimento, equipes do Corpo de Bombeiros procuraram em perais, propriedades e lagos, mas não encontraram nada.
O desaparecimento de Luciano Boeira Melos se assemelha ao caso da modelo Eliza Samudio, 25 anos, que sumiu em junho de 2010, em Minas Gerais, e o corpo nunca foi encontrado. Ela era mãe do filho recém-nascido do ex-goleiro Bruno Fernandes. O jogador foi condenado a mais de 20 anos de prisão por participação na morte de Eliza e cumpre a pena em regime semiaberto domiciliar desde 2019.
O caso Eliza Samudio foi um dos mais conhecidos crimes onde houve condenação pela morte, mas o corpo nunca foi encontrado. Segundo o delegado responsável pela investigação na época, Edson Moreira, que hoje está aposentado, cada caso tem a própria peculiaridade e a dificuldade, mas as diferentes evidências levantadas pela Polícia Civil no caso de Luciano apontam para um crime com planejamento e execução, como o que ocorreu com Eliza.
— Esse caso se assemelha não só no caso da Eliza, mas também ao caso da Viviane Brandão, em Belo Horizonte, que o corpo também não foi encontrado. Para comprovar o crime é preciso ter materialidade, provas fortes, e esse caso, assim como o delas, tem. Achar um corpo não é fácil, se a pessoa que cometeu o crime não dizer onde está, fica ainda mais difícil. Mas não precisa do corpo para comprovar o crime, com as provas dá para comprovar que houve um homicídio — afirma Moreira.
De acordo com o delegado, com as provas levantadas pela investigação nos casos das mulheres foi possível chegar a condenações justas para os criminosos. Por este motivo, Moreira acredita que o caso de Luciano, se o corpo permanecer desaparecido, tenha um desfecho semelhante.
— No caso da Viviane, eu consegui provar que o cara comprou uma corda, achei sangue no carro, as linhas de estação de rádio base dos celulares mostraram que eles se encontraram nas proximidades do serviço dela. No caso da Eliza tiveram mais provas ainda, teve o sangue no carro, foi feito DNA que mostrou sangue do filho dela também, foram muitas provas. O caminhoneiro já estava relatando as ameaças, a moto jogada em um rio, ele nunca mais foi visto, tem um conjunto bom de provas que comprovam que ele foi morto. É necessário sempre buscar a verdade, seja para condenar ou para absolver, e nesse caso as provas mostram que houve um crime — diz o delegado.
Apesar dos corpos de Eliza e Viviane nunca terem sido encontrados, como o caso do caminhoneiro ainda pode ser considerado recente, Moreira acredita que o corpo possa ser encontrado, desde que os quatro decidam colaborar com a polícia.
Presos preventivamente desde o dia 17 de agosto, Fabiana, Felipe, Flávio e José aguardam no Presídio Estadual de Vacaria o andamento do processo. Ao contrário do que disseram à Polícia Civil sobre o desaparecimento de Luciano, a legislação brasileira permite a condenação de homicídio mesmo que um corpo nunca seja encontrado. Entretanto, diferentes pontos precisam ser comprovados.
— Primeiro, a materialidade do crime. É preciso comprovar que esse crime existiu. A materialidade pode ser provada através de uma constatação indireta, por exemplo, a demonstração de que a vítima desapareceu, indicativos de que ela tenha sido vítima de violência, o veículo dela abandonado em algum lugar. Em segundo, provado pelo Ministério Público, é se existem provas de que os acusados foram os autores deste crime — explica o advogado criminalista Diogo Boff.
A partir das provas, é preciso comprovar o envolvimento ou vínculo dos acusados com a vítima. O fato de haver um corpo ou não não interfere no julgamento, visto que o que é julgado é se houve ou não um crime.
Conforme o entendimento do Ministério Público sobre o caso, com as evidências da investigação da Polícia Civil, as prisões preventivas dos quatro devem ser mantidas pelo risco que representam para a instrução do processo.
— Durante a investigação policial, ficou constatado que os investigados buscaram ocultar provas, com a exclusão de mensagens dos aplicativos dos celulares, alinhamento de versões, ocultação do próprio cadáver, que, infelizmente, até o momento não foi localizado, a própria manipulação de cenários, como a tentativa de simulação de um acidente de trânsito com a motocicleta, com o arremesso dela em um rio. Tudo ficou apurado que foi feito de maneira intencional para ludibriar as investigações — diz o promotor que representa o MP no caso, Raynner Sales de Meira.
Para o Ministério Público, há responsabilidade no crime, assim como delito de fraude processual, na tentativa de se tornarem impunes. Até o momento, não há uma previsão de data para que o julgamento ocorra.
Desde que foram presos, os quatro mantêm o direito de permanecerem em silêncio. Segundo explica o advogado criminalista, assim como o silêncio não pode ajudar os réus, também não pode prejudicar.
— O silêncio é um direito absoluto. Se os acusados não apresentam a versão deles sobre o que aconteceu, aqueles que julgam estão proibidos de usar o silêncio para prejudicar. Por exemplo, em um julgamento no júri, não pode ser dito que “quem cala consente”, como diz o velho ditado. O silêncio é um direito e não pode ser interpretado como culpa — diz Boff.
Na casa de Elizete Boeira, mãe do caminhoneiro, a esperança de que o filho seja encontrado também completa um ano nesta sexta-feira. Entre os dias de espera, a mãe abre a pequena casa de madeira de Luciano, que fica ao lado da casa dela, para ser ventilada.
— A casa dele continua do jeito que ele deixou, até parece loucura dizer, mas a mãe e nós, os irmãos, continuamos confiando em Deus porque temos fé e esperança que ele vai voltar para casa. Ninguém acredita nisso, mas enquanto existir essa fé, nós não vamos desistir de acreditar — conta a irmã Grasiele Boeira.
Para Elizete, cada dia que passa é um novo dia que o caminhoneiro pode voltar para casa. Segundo lembra a mãe de Luciano, o dia 26 de julho é visto como um dos piores da vida dela.
— Todos os dias eu espero meu filho chegar. Não sei aonde ele está, essas pessoas malvadas não falam o que fizeram. Eu estou de pé, mas ninguém sabe o tamanho da minha dor. Pergunto todos os dias aonde está meu filho, por quê isso tudo, é muito difícil. Eu estou perdida, não tenho vontade de fazer nada. Eu já tinha perdido um filho antes dele, já era difícil e agora ficou pior. Eu confio em Deus que meu filho vai voltar e por isso ainda estou de pé. Vou achar meu filho e não vou desistir dele — emociona-se Elizete.
No dia 26 de julho de 2023, Luciano Boeira Melos teria arrumado a casa onde morava, na localidade de Hortêncio Dutra. Com a faxina, que fez tanto dentro, quanto fora do local, o caminhoneiro parecia estar esperando alguém. Conforme a família, um comerciante revelou que, naquele dia, ele teria comprado um edredom e dois travesseiros e feito questão de que os itens fossem entregues naquela quarta-feira.
No fim do dia, o caminhoneiro teria pedido para a mãe preparar o jantar e já havia guardado a moto na garagem. Enquanto Elizete dobrava roupas e aguardava o jantar ficar pronto, ouviu o filho sair de moto, sem dizer para onde ia. A mãe diz ter sentido um aperto no peito na mesma hora e começado a enviar mensagens e fazer ligações para o filho, pedindo que ele voltasse para casa.
Segundo Elizete, que recebeu a reportagem do Pioneiro no dia 4 de agosto, ele “saiu para ir ali e já voltar, não saiu com a intenção de não dormir em casa, deixou tudo ligado”. Às 19h40min, o caminhoneiro enviou uma mensagem para a mãe dizendo que tinha ido à cidade. Para o meio-irmão, Lucas Silva, Luciano revelou ter ido encontrar com a mulher, na localidade de Caraúno. Esses foram os últimos contatos feitos com a família.
Segundo a investigação da Polícia Civil e a denúncia do Ministério Público, a morte do caminhoneiro teria sido previamente combinada em 25 de julho, um dia antes do desaparecimento. Após descobrirem o relacionamento extraconjugal de Fabiana com Luciano, Felipe e José Balduíno, respectivamente marido e pai da mulher, teriam combinado que ela seria perdoada desde que o caminhoneiro fosse morto.
No dia 26, Fabiana, que teria concordado com o plano, teria enviado uma mensagem para Luciano pelo Facebook marcando o encontro para resolver o futuro do relacionamento. No local, ela estaria acompanhada de Felipe, Flávio e José. Conforme a denúncia, Luciano teria sido morto por motivo torpe (a traição) e sem poder se defender.