Edson Fernando Crippa, 45 anos, matou familiares, um soldado da BM e foi morto em enfrentamento com policiais, após ferir nove pessoas
A Polícia Federal abriu uma investigação sobre o laudo psicológico que atestou capacidade para posse de arma por parte do homem que matou três pessoas e feriu nove, em Novo Hamburgo, entre a noite de terça (22) e a manhã de quarta-feira (23).
Edson Fernando Crippa, 45 anos, o atirador, tinha episódios de surtos de esquizofrenia e foi morto em enfrentamento com policiais, após disparar mais de 300 tiros. Ele mantinha em casa um arsenal composto por duas pistolas, um rifle e uma espingarda de repetição, com os quais matou familiares e um PM, além de ferir com gravidade várias outras pessoas.
A investigação da PF é administrativa, não é um inquérito criminal. O objetivo é saber como e por que o psicólogo credenciado pela polícia aprovou o uso de armas por parte de uma pessoa que viria a se mostrar esquizofrênica. A investigação sobre as mortes em Novo Hamburgo constatou que ele já passou por quatro internações por essa doença psíquica, cujos sintomas costumam incluir manifestações de paranoia intensa. Uma irmã dele afirma que Crippa se mostrava bastante violento com os pais, com quem ele morava.
Os policiais federais fazem uma ressalva: o atirador pode nunca ter manifestado a esquizofrenia antes do teste psicotécnico. Outra possibilidade é que ele tenha dissimulado o comportamento ou que estivesse com a doença sob controle, mediante uso de medicamento contínuo.
Crippa não tinha porte de arma, só a posse, o que lhe dava direito de usá-la em casa. O psicólogo que aplicou os testes nele será ouvido e, em caso extremo, pode ser descredenciado.
A dissimulação por parte de um esquizofrênico é bastante possível, comenta o médico psiquiatra Filipe Gelain Tonet, especialista nessa doença e diretor-clínico do Hospital Psiquiátrico Centro de Saúde Mental, de Caxias do Sul. Tonet também é Caçador, Atirador e Colecionador (CAC), com direito a posse de armas — mesma categoria de atirador à qual pertence o homem que cometeu os assassinatos em Novo Hamburgo.
Tonet diz que a paranoia, um dos sintomas comuns em esquizofrênicos, pode resultar em reações muito agressivas.
— Em crise psicótica, um esquizofrênico pode se apegar a crenças inflexíveis e reagir contra todos que o contrariarem. É comum também que ouça vozes. Não sei desse caso específico, mas esse tipo de manifestação não é rara — pondera Tonet.
Tonet também foi submetido ao psicotécnico exigido para quem deseja registrar armas. É um exame chamado palográfico, no qual o candidato a atirador faz uma série de testes em que precisa colocar pauzinhos e tracinhos em determinadas posições. Usa técnicas gráficas para detectar o nível de impulsividade, de agressividade e de tolerância à frustração por parte do candidato a ter posse/porte de arma. Ferramenta semelhante é usada nos testes de motoristas.
Tonet ressalta que, muitas vezes, o teste é aplicado sem que ocorra entrevista com o candidato a atirador. É apenas preenchido o exame, posteriormente analisado pela psicóloga(o). Até por isso, alguém com histórico de problemas psíquicos pode dissimular seu comportamento ou, mais comum, estar sob controle no dia em que faz o teste.
O psiquiatra defende mais rigor nos exames para atirador. Sugere inclusive a criação de um cadastro nacional de psicóticos violentos, um banco de dados acessível a psiquiatras e psicólogos.
— Isso permitiria uma rede de monitoramento, capaz de alertar o médico/psicólogo sobre os riscos que apresenta um candidato a atirador — acrescenta Tonet.
Esse tipo de cadastro não existe hoje no Brasil, conclui o psiquiatra. Ele critica também o fim dos manicômios judiciários no Brasil, pela falta de locais mais apropriados para tratar pessoas psicóticas.
Durante o velório do soldado Éverton Kirsch Júnior, 31 anos, na manhã desta quinta-feira (24), o governador Eduardo Leite defendeu a criação de um sistema integrado para cruzar informações de laudos psicológicos com o registro de armas:
— Quem tem algum registro de histórico de problema de saúde mental, psiquiátrico, isso tem que imediatamente ser cruzado com a base de dados do registro de armas. Quem opta por ter arma em casa, por ter registro de arma, tem que abrir mão inclusive de seu sigilo médico, seu histórico de saúde, por uma questão de proteção à sociedade.
Segundo o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Cláudio Feoli, o sistema já é utilizado em outros países e poderia alertar policiais sobre a existência de armas na ocorrência ainda no momento de despacho da ocorrência.
— É claro que tem uma situação legal que precisa ser alterada, mas existem países que usam esse sistema, de modo que o policial não seja surpreendido por alguém mentalmente perturbado e que tenha arma em casa — explicou o oficial.