Inquérito busca descobrir de onde veio o cacto do qual é extraída a substância mescalina; um homem foi preso na ação no último dia 10
A descoberta pela Polícia Civil ocorreu de forma casual e acendeu novo alerta sobre segurança pública. Em ação no último dia 10, investigadores procuravam LSD e ecstasy, entorpecentes sintéticos conhecidos pelas autoridades e apreendidos de forma recorrente. Para surpresa dos agentes, peiote — cacto do qual é extraída a substância mescalina — foi encontrado pela primeira vez em Porto Alegre.
— Não havia, até a semana passada, nenhuma informação sobre a circulação desta droga no cenário estadual. A investigação era no sentido das drogas sintéticas. O encontro do peiote é uma novidade para a polícia gaúcha — indica o delegado Gabriel Borges, titular da 1ª Delegacia do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc).
Os riscos relacionados ao consumo da planta são diversos, e vão de alterações sensoriais até desenvolvimento de quadros psicóticos duradouros. Para a Polícia Civil, despertou-se alerta sobre nova frente de atuação das organizações criminosas.
O delegado revela que o inquérito gerado pela investigação busca, prioritariamente, descobrir como o peiote chegou ao Rio Grande do Sul, em posse do homem investigado e preso pelo tráfico da droga, além de LSD e ecstasy.
— O preso não quis dizer como o material chegou até ele. Sabemos que tinha como público alvo o mesmo grupo consumidor das drogas sintéticas: frequentadores de raves e festas de música eletrônica — comenta.
A identidade do preso não é divulgada. Borges restringe-se a dizer que o investigado é um jovem, de perfil socioeconômico médio e sem histórico de relação com violência.
— É uma pessoa de classe média, que teve acesso a educação e teria uma boa circulação pela camada social com capacidade financeira de consumir drogas que são comercializadas a valores elevados — explica.
O delegado do Denarc conta, ainda, que a descoberta do peiote provocou uma busca por informação científica entre os agentes do departamento. Gabriel Borges cita o caso da cocaína rosa, apreendida em agosto do ano passado em São Sebastião do Caí, que também demandou pesquisa.
Na ocasião, suscitou-se a possibilidade de se tratar do composto sintético denominado 2-dimetoxibenzaldeído (2-CB), droga com apresentação semelhante à cocaína, que possui elevado poder tóxico. Segundo autoridades, o 2-CB não é comum no Brasil por ter alto custo de produção. O fármaco foi desenvolvido em 1974 para auxiliar no tratamento de dependentes químicos.
No decorrer das investigações, a polícia apontou que o material era de fato cocaína, mas que havia sido tingida de rosa por uma facção, com o objetivo de elevar o valor na venda aos consumidores.
Seria uma espécie de “experiência de mercado”, na análise dos investigadores. A cocaína rosa não foi mais encontrada em investigações pelo Denarc.
Segundo Borges, sobre a apreensão da semana passada, as apurações indicaram que o peiote já havia sido apreendido pelas autoridades de segurança pública nos Estados de Minas Gerais, Paraná e no Distrito Federal.
O peiote possui alto potencial tóxico e pode produzir graves consequências para quem o consome. Conforme o chefe do Serviço de Psiquiatria de Adições e Forense do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), psiquiatra Félix Kessler, a mescalina — substância entorpecente da planta — pode desencadear ou agravar distúrbios mentais, transitórios e até prolongados.
— A mescalina é uma droga conhecida da humanidade há milênios. Utilizada por civilizações ancestrais da América e até estudada cientificamente sobre suas propriedades farmacêuticas. Contudo, trata-se de uma substância bastante perigosa pelos efeitos que produz no sistema nervoso — adverte o psiquiatra.
Kessler explica que a mescalina age sobre receptores de serotonina. Em primeiro momento, causa alterações de percepção sensorial e estado de humor. Depois, amplia a sensibilidade dos sentidos físicos — visão, audição, olfato, paladar e tato —, passando a interferir na “percepção das emoções”, segundo o médico.
— Pode gerar o que chamamos de despersonalização ou desrealização, que se manifesta com a sensação de ver a cena fora dos limites do corpo, com a dificuldade de interpretar os sentidos e até com sentimento de irrealidade. Isso é o que se traduz, na perspectiva dos usuários, como experiência mística — descreve Kessler.
Em reações mais intensas, o uso da mescalina, segundo o psiquiatra, pode colocar a pessoa em condições clínicas de alta complexidade e vulnerabilidade para a saúde mental. Kessler revela ter tratado paciente que consumiu a substância no Exterior e, após seu retorno ao Brasil, enfrentou meses de recuperação por ter desenvolvido sintomas psicóticos.
— Esta pessoa dizia ter a sensação de não saber quem realmente era. Narrava sentir que estava dentro de uma espécie de filme, uma confusão entre realidade e fantasia. Foram meses de tratamento para o restabelecimento de um quadro clínico estável — destaca.
O pesquisador também elenca, entre possíveis desfechos para a experiência com a droga, quadros de depressão, ansiedade, transtorno bipolar, crises de pânico e ideias paranoicas, com risco de gatilho para cenários de esquizofrenia.
— É uma substância que não gera alto grau de dependência, como as drogas estimulantes, mas possui efeitos muito perigosos e imprevisíveis. Podem se resumir a náusea, vômito e o que se chama em gíria de “bad trip”. Porém, as reações podem conduzir a pessoa a condições graves de doença mental — pontua.