Pacientes não têm garantia de acesso a próteses, órteses e outros equipamentos por meio do SUS em 2023 - Agora Já -

Pacientes não têm garantia de acesso a próteses, órteses e outros equipamentos por meio do SUS em 2023



Situação se dá por conta da defasagem entre valores cobrados pelo mercado e a tabela de preços do Sistema Único de Saúde

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26 de fevereiro de 2023

Quem depende de próteses, órteses ou outros equipamentos auxiliares de locomoção fornecidos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) terá um ano de incertezas em 2023. Isso porque a tabela de preços pagos às entidades não-governamentais que produzem e distribuem os itens segue defasada — um déficit de cerca de 40%, em média, segundo as entidades.

Apesar da atualização de alguns valores feita pelo Ministério da Saúde  em dezembro do ano passado, organizações como a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e a Associação Canoense de Deficientes Físicos (Acadef), duas das maiores do Estado, e o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Coepede) temem pela continuidade da prestação dos serviços.

Fisioterapeuta Jivago Di Napoli

O fisioterapeuta do Centro de Reabilitação (CER) da Acadef Jivago Di Napoli relata que 50% das entregas feitas até 2019 estão comprometidas, já que não há condições financeiras de manter o mesmo nível de produção. O local atua com três especialidades: física, auditiva e intelectual. Segundo ele, o trabalho precisou ser redimensionado não só na confecção das chamadas OPMEs (sigla para órteses, próteses e materiais especiais), mas nas sessões de reabilitação, que fazem parte da rotina das instituições. A Acadef também tem uma oficina ortopédica.

A gerente da unidade de Porto Alegre da AACD, Fabiana Pinto de Oliveira, afirma que, no final do ano passado, a associação cogitou parar com a distribuição de cadeiras de rodas, justamente por conta da diferença do preço cobrado pelo mercado e o pago pelo SUS. Porém, a portaria 4.671 do Ministério da Saúde, publicada no apagar das luzes de 2022, no dia 29 de dezembro, deu um “fôlego a mais”, e a dispensação teve continuidade.

Mesmo assim, 1.082 pessoas estão na fila de espera da AACD nos 39 municípios atendidos pela unidade da Capital. O número considera quem aguarda por órtese, prótese ou itens como cadeiras de rodas, andadores e muletas. A AACD possui um Centro de Reabilitação e uma Oficina Ortopédica, a maior do Rio Grande do Sul. Já o CER da Acadef tem uma fila de espera que varia de 300 a 400 equipamentos.

— Negociamos diariamente com fornecedores de todo o país para garantir alguma equalização de valores, mas tem sido em vão — conta Di Napoli.

A gerente da AACD projeta um próximo trimestre de mais dificuldades caso nenhuma medida seja tomada para incrementar os valores pagos às entidades. Uma futura interrupção na distribuição, principalmente de cadeiras de rodas, não está descartada.

— Os valores ficarão deficitários novamente. Então, vamos ter um outro cenário no próximo trimestre — alerta Fabiana.

A portaria do Ministério da Saúde atualizou os valores de quatro tipos de cadeiras de rodas, como as de uso adulto e infantil do tipo padrão, as para banho com assento sanitário, as motorizadas e as chamadas “monobloco”. Os preços pagos agora variam de R$ 485,60 a R$ 5.593,65. A pasta também modificou valores das bengaladas de quatro pontas, para R$ 73,73, bengalas articuladas, para R$ 91,91 e óculos com lente filtrante para albinos, para R$ 330,95.

O valor repassado pelo SUS para uma cadeira de rodas motorizada, que é de R$ 5.593,65, ainda não é suficiente. A Acadef aponta que esse tipo de equipamento, por exemplo, com apoio de cabeça, suportes de tronco e cintos, não sai a menos de R$ 6 mil.

Muitos dos componentes e insumos para confecção das próteses são importados e impactam o custo final do item mais a mão de obra técnico. Dados da Acadef mostram que, atualmente, uma prótese transfemural, para amputações na coxa, custa R$ 6 mil, e a transtibial, para amputação ao nível da perna, R$ 4 mil. O preço pago pelo SUS à entidade é de R$ 3,5 mil e R$ 2,3 mil, respectivamente.

A angústia diante da incerteza

Para demonstrar a importância do serviço prestado pelas entidades não-governamentais, a presidente do Coepede, a pedagoga Cimone Barbosa Halberstadt, 46 anos, cita que, de acordo com o senso do o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)  de 2010, cerca de 2,5 milhões de pessoas declaram ter algum tipo de deficiência. São pessoas que, mais cedo ou mais tarde, podem precisar dos serviços de reabilitação.

Esses serviços, aliás, vão muito além da confecção e distribuição das OPMEs. Os pacientes passam por acompanhamentos com equipe multidisciplinar para acompanhamento dos pacientes, muitos deles que, inclusive, dependem dos atendimentos durante a vida toda.

Segundo Cimone, a tabela do SUS para as OPMEs não é atualizada de forma geral há aproximadamente 15 anos. A luta é para garantir a continuidade do fornecimento.

Cimone é mãe de Hermann Gonzales Halberstadt, 25 anos, que possui paralisia cerebral. Ela desabafa: a sensação não é de batalha perdida, mas de muita dificuldade.

— Agora, quando queremos retomar a normalidade, depois da pandemia, a sensação que a gente tem é que não vai mais ter serviço nenhum. O meu filho é tetraplégico. Se ele não tiver cadeira, ele não consegue nem ir da sala para o quarto. Como serão feitos os atendimentos se as pessoas não puderem ir para uma unidade de saúde? Eu não sei se eu tenho revolta, mas procuro não estimular esse sentimento — comenta a mãe.

Como presidente do Coepede, Cimone espera que o conselho seja incluído no grupo de trabalho criado pelo Governo do Estado para avaliar a tabela do SUS. Ela reconhece que revisar valores é uma tarefa do governo federal, mas tem a esperança de que o Estado possa dar algum tipo de incentivo ou reforçar à interlocução com o Ministério da Saúde.

O Ministério Público informou a GZH que solicitou informações ao governo do Rio Grande do Sul sobre o assunto. O Estado, por sua vez, respondeu que compôs um grupo com técnicos e representantes das entidades que prestam serviços ao SUS para discutir os critérios balizadores de um possível programa de incentivos estaduais para os serviços que atendem pessoas com deficiência. O MP-RS também disse que enviou uma representação ao Ministério Público Federal porque a atualização dos valores depende do Ministério da Saúde.

Questionado pela reportagem se há perspectiva para a revisão dos valores, o Ministério da Saúde não respondeu até a publicação desta reportagem.

O que diz o governo do Estado

Por meio de nota,  a Secretaria Estadual de Saúde (SES)  afirma que “vem se reunindo periodicamente com entidades para tratar de questões referentes às OPMEs de reabilitação física, inclusive para identificar fornecedores no RS, com custo de produção menor”. Segundo a SES, isso viabilizaria, no futuro, a abertura de um processo de compra em maior quantidade e a preços mais baixos. Porém, a pasta destaca que não há previsão orçamentária para OPMEs.

Além disso, a SES diz que “defende, junto com as entidades, a atualização de valores pelo Ministério da Saúde”. Segundo a secretaria, nas próximas semanas, em data a ser confirmada, será realizado um novo encontro para tratar do tema.

Projeto de Lei propõe reajuste anual

O Senado Federal aprovou, no ano passado, o projeto de lei 468/2018 que pede a revisão anual da tabela de procedimentos, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais do SUS. De autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), a proposta foi enviada para a Câmara dos Deputados, onde aguarda votação. O PL estabelece que “os valores para a remuneração de serviços prestados ao SUS deverão ser revistos anualmente, de modo a cobrir os custos e assegurar a qualidade dos procedimentos”, alterando a Lei 8.080 de 1990. Entretanto, o projeto não estabelece porcentagem ou outros valores para reajustes.

Fonte: Clic RBS – Foto: Fisioterapeuta Jivago Di Napoli, do Centro de Reabilitação da Associação Canoense de Deficientes Físicos, afirma que o trabalho precisou ser reduzido em 50% –  Arquivo Pessoal Divulgação.

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