Economista estava internado desde o último dia 5 no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Causa da morte não foi divulgada
O ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento e ex-deputado Antônio Delfim Netto, morreu na madrugada desta segunda-feira (12), aos 96 anos. As informações são do g1.
Delfim estava hospitalizado desde a última segunda-feira (5) no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e morreu em decorrências de complicações no seu quadro de saúde.
O político deixa uma filha e um neto. Não haverá velório aberto e seu enterro será restrito à família.
Delfim foi ministro do regime militar nos governos dos generais Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e João Baptista Figueiredo e deputado federal, mas também um dos principais conselheiros de presidentes petistas e de empresários.
Era ele que estava sob o comando da economia, entre 1967 e 1973, anos mais violentos da ditadura, quando o Produto Interno Bruto cresceu 85% e a renda per capita dos brasileiros, 62%. Delfim personificou o milagre brasileiro: em quatro anos, saiu 18 vezes na capa da revista Veja e era a figura do governo mais presente nas páginas dos jornais. Nenhum outro ministro concentrou tanto poder como ele.
Delfim não só testemunhou, como influenciou alguns dos momentos mais marcantes da história do Brasil. Estava presente (e votou a favor), no dia 13 de dezembro de 1968, quando o general Costa e Silva baixou o Ato Institucional número 5, decreto que acabou com liberdades políticas e deu poder de exceção a governantes para punir arbitrariamente os inimigos do regime. Foi protagonista do milagre econômico, que culminou mais tarde na crise do endividamento externo brasileiro. Viu a hiperinflação, a redemocratização, participou da Constituinte, criticou o Plano Real, ajudou o PT a chegar ao poder.
Aos 90 e poucos anos de idade, Delfim continuava contribuindo com o debate econômico e não parou de se atualizar: seguia estudando e produzindo artigos acadêmicos, em sua quinquagenária máquina de escrever Olympia. Com mais de 100 quilos em 1,60 metro de altura, o Gordo, como era chamado, tinha dificuldade para caminhar, mas não para debater economia.
O ex-ministro não veio da elite. Neto de imigrantes italianos, nasceu e cresceu no bairro do Cambuci, em São Paulo. Sua mãe, Maria, era costureira e ficou viúva quando o filho tinha nove anos.
O pai, José, trabalhava na empresa de transportes da prefeitura de São Paulo (CMTC). Mas era o avô paterno – o Antônio que lhe deu o nome – sua grande referência: o italiano que veio para o Brasil nos anos 1880 para trabalhar na lavoura de café acabou fazendo a vida na capital, calçando ruas a serviço da prefeitura De calceteiro virou dono de uma mina de pedras e passou a ser fornecedor do poder público – história que Delfim adorava contar.
Estudante de escola pública, com curso técnico em contabilidade, o ex-ministro começou sua formação intelectual aos 14 anos, quando trabalhava como office-boy na Gessy Lever. Inspirado por um funcionário, começou a ler os socialistas fabianos, representantes de um movimento britânico que defendia uma passagem gradual para o socialismo, sem luta de classes – corrente que mais tarde ele criticaria. Está aí a origem do nome de sua única filha, Fabiana.
Foi estudando sozinho que conseguiu entrar na universidade. Seu gosto por garimpar livros em sebos e livrarias o fez montar uma biblioteca com quase 300 mil títulos, parte deles doados para a USP.
Na universidade paulista, onde foi aluno e professor, participou de um movimento que revolucionou o pensamento econômico no Brasil, aos moldes do que já se fazia fora do país: a narrativa começava a dar lugar ao uso de dados e à econometria.
Sua tese de doutorado sobre O Problema do Café no Brasil virou livro e é uma referência até hoje. Delfim desmontou os argumentos que sustentavam a intervenção brasileira no mercado mundial do café e a ideia de que os cafeicultores precisavam ser protegidos.
Nessa época, ele já prestava assessoria econômica para a Associação Comercial de São Paulo e mantinha uma forte relação com o empresariado paulista. Depois que os militares tomaram o poder, Delfim Netto se articulou para influenciar os rumos da economia, tentando convencer os ministros de que não era preciso fazer um ajuste fiscal tão forte, mas sim impulsionar a atividade econômica. O PIB, depois de crescer mais de 7% ao ano com Jânio Quadros, estava patinando com os militares.
Sua escalada ao poder começou no governo de Costa e Silva. Quando se preparava para assumir a Presidência, o general promoveu uma série de seminários em um apartamento de Copacabana para ouvir possíveis integrantes de seu futuro governo.
O professor da USP, Delfim Netto, estava entre os escolhidos. Com gráficos desenhados em cartolinas, ele falou sobre agricultura e ganhou a simpatia do general. Tempos depois, Delfim foi chamado para uma reunião no Rio e, quando saiu, disse a um de seus pupilos, o economista Carlos Alberto de Andrade Pinto: “Se prepare que agora nós vamos mandar. Fica quieto, não fala nada, mas agora nós vamos mandar.” O episódio foi relatado pelo jornalista Rafael Cariello, em 2014, na revista Piauí.
Aos 39 anos, quando Delfim Netto chegou ao Rio para assumir o Ministério da Fazenda, a elite carioca apostava que ele não duraria nem um ano no cargo. “No Rio, era o seguinte: chegou esse gordo, italiano e vesgo. Nós vamos matá-lo em seis meses, tá certo? E além de tudo tem uns animais estranhos com ele, uns japoneses”, contou certa vez.
Não demorou para que os “animais estranhos” fossem apelidados de Delfim Boys: eram duas dezenas de colaboradores, muitos deles ex-alunos, que acompanharam o ministro na capital federal. Para entrar no grupo, como na máfia, havia um requisito inegociável: lealdade. Seus pupilos podiam errar o quanto quisessem, desde que fossem leais.
Com centenas de pessoas em tudo quanto era lugar, Delfim Netto multiplicou seu poder de informação e sua influência no governo. “Raras vezes vi alguém com essas duas características que o Delfim tem: a curiosidade intelectual e a ambição pelo poder”, disse certa vez o economista Eduardo Giannetti da Fonseca.