Problema ocorre desde 2020 e é responsabilidade do Detran gaúcho
A pena máxima para quem tem carteira nacional de habilitação (CNH) não está sendo aplicada desde 2020 no Rio Grande do Sul. A responsabilidade pela abertura do processo de cassação do documento é do Departamento Estadual de Trânsito. O procedimento deve ser aberto sempre quando um motorista é autuado por dirigir com a habilitação suspensa.
Diferente da suspensão, em que o motorista recupera o direito de dirigir após um período que pode variar de dois a dezoito meses, dependendo do tipo de infração, a cassação significa a perda da habilitação por dois anos. Isso impõe ao condutor a necessidade de solicitar novamente a CNH, submetendo-se ao processo de reabilitação, que envolve curso de reciclagem, prova prática e teórica.
Usando recursos da Lei de Acesso à Informação (Lai), a presidente da Associação Brasileira dos Advogados de Trânsito (Abatran), Rochane Ponzi, encaminhou um pedido de informações ao Detran gaúcho. A resposta do departamento revelou que nenhum processo de cassação por dirigir com a CNH suspensa foi instaurado no Rio Grande do Sul desde março de 2020.
Isso pode ter beneficiado um total de 41.503 motoristas que deixaram de ter a CNH cassada após serem autuados por descumprir a ordem de não dirigir. Em muitos destes casos, o condutor ficará impune se já tiver passado 180 dias da confirmação da infração por dirigir com CNH suspensa.
— Os membros da Abatran têm notado já há algum tempo que pessoas autuadas por dirigir com a carteira suspensa não estavam tendo os respectivos processos de cassação instaurados. Para a sociedade, a gente entende que a mensagem que essa omissão passa é de que está tudo bem se cumprir a ordem de não dirigir dada pelo Detran, de que isso não dá nada. Quando a gente privilegia apenas autuar e deixar de cassar a CNH, que é um procedimento que custa caro, que não dá lucro como uma infração de trânsito, infelizmente, só nos resta ter que requentar aquele discurso surrado sobre a existência de uma indústria da multa — comenta Rochane.
Procurado, o Detran gaúcho reconhece que não está abrindo processo de cassação da carteira de motorista. O departamento cita que “diversos fatores conjunturais e legislativos” impactaram diretamente no “andamento dos processos relacionados à cassação de CNHs”.
“Tais modificações exigiram adaptações sistêmicas e operacionais no DetranRS, inclusive no que diz respeito ao processo de cassação, que ainda se encontra em fase de ajustes finais para adequação às novas normativas”, informa a autarquia por meio de nota.
O Detran do Rio Grande do Sul cita ainda “eventos extraordinários” – como a pandemia de Covid-19, o incêndio no prédio do departamento e as enchentes. Todos estes casos contribuíram para interrupção e prorrogação de prazos e ajustes necessários nos sistemas informatizados, segundo a justificativa.
“Um exemplo recente foi o desligamento do data center da Procergs, evento extremo que deixou o sistema do DetranRS inoperante por quase 30 dias em 2024”, conclui a autarquia.
Apesar dessas dificuldades, o departamento informa que as demais atividades, como fiscalização, defesa e recurso virtuais, aplicação de multas e advertência por escrito e os processos de suspensão do direito de dirigir seguem ocorrendo regularmente.
Em 2023, por exemplo, foram instaurados mais de 41 mil processos de suspensão do direito de dirigir. O número não leva em consideração os procedimentos que deixaram de ser abertos pela Polícia Rodoviária Federal em estradas que são de competência da União.
A presidente da Abratran contesta a justificativa do Detran. Segundo ela, o departamento gaúcho até realizava o procedimento, em “um determinado momento”, mas que parou de ser instaurado e as razões são desconhecidas.
— É sabido que o Código de Trânsito foi alterado por diversas leis publicadas desde 12 de abril de 2021, só que nenhuma dessas leis alterou o processo de cassação do direito de dirigir ou então a multa que dá origem ao processo de cassação – completa Rochane.
As mortes no trânsito do Rio Grande do Sul vinham caindo até 2020, chegando a 1464 óbitos registrados. A partir do ano seguinte houve aumento, chegando em 2022 a 1707 mortes. Em 2023 houve uma redução de 8%, ficando em 1572 vítimas fatais.