Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 28 anos, e Bruna Nathiele Porto da Rosa, 26, foram julgadas por torturar, matar e arremessar menino em rio, em Imbé, em julho de 2021
Na pousada na Rua Sapucaia, na área central de Imbé, no Litoral Norte, onde Miguel dos Santos Rodrigues, sete anos, esteve em suas últimas semanas de vida a presença dele sequer foi notada. Ninguém sabia que um menino morava ali com a mãe Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, e a madrasta Bruna Nathiele Porto da Rosa. Outras crianças brincavam no pátio diariamente, mas o garoto nunca esteve entre elas. Um poço de luz, atrás do box do banheiro, era usado para mantê-lo escondido. Na gélida noite de 29 de julho de 2021, as duas deixaram o quarto transportando uma mala. Dentro dela, estava o corpo esquálido do garoto, que foi arremessado nas águas do Rio Tramandaí.
Ao longo de dois dias de julgamento, no Forum de Tramandaí, essas cenas foram relembradas por todas as partes envolvidas: as testemunhas, a acusação, as defesas e as próprias rés. Foram detalhadas as torturas que Miguel sofreu antes de ser morto. Às 22h21min, o juiz Gilberto Fontoura leu a sentença de condenação da mãe e da madrasta. Para Yasmin foi estabelecida pena de 57 anos, um mês e dez dias pelos crimes de homicídio, ocultação de cadáver e tortura. Para Bruna, a pena foi fixada em um total 51 anos, um mês e 20 dias pelos mesmos crimes. Para ambas, cabe recurso.
Para a mãe, a pena por homicídio foi de 46 anos e oito meses, pela tortura de sete anos e nove meses e dez dias de reclusão, e dois anos e oito meses pela ocultação. Para Bruna, a pena foi fixada em 42 anos pelo homicídio, seis anos, nove meses e 20 dias pela tortura, e dois anos e quatro meses pela ocultação de cadáver.
Ao longo das 27 horas de julgamento, o Ministério Público, representado pelos promotores André Tarouco, que acompanha o caso desde o início, e Karine Teixeira, buscaram demonstrar que Yasmin e Bruna foram as responsáveis pelos crimes cometidos contra o menino. No entendimento da acusação, as duas viam Miguel como entrave para o relacionamento delas e passaram a torturar a criança. Tarouco afirmou que o MP pretende ampliar as penas aplicadas:
O julgamento, segundo Fontoura, teve a repercussão do tamanho do fato. Segundo o magistrado, foi feito o julgamento de acordo com as regras processuais:
Do outro lado, as defesas e as próprias rés apresentaram argumentos distintos. A defesa de Yasmin tentou que ela fosse condenada por homicídio, mas com entendimento de que não houve intenção de matar o filho, desclassificando o crime para culposo. Yasmin, quando foi interrogada, admitiu ter espancado o filho e administrado medicamentos, mas sustentou que a culpa de ter se afastado do filho foi de Bruna. Ela alegou que na noite em que o menino morreu fez o filho tomar um comprimido de fluoxetina para que ele se acalmasse, permaneceu cerca de uma hora fora de casa e, quando retornou, encontrou Bruna debaixo da mesa e Miguel já morto.
Já a defesa de Bruna tentou que ela fosse inocentada pelo homicídio, com o argumento de que a madrasta não teve participação no assassinato. Em seu interrogatório, Bruna narrou uma versão distinta, onde apresentou a então companheira como uma pessoa agressiva. Disse que Yasmin costumava espancar o filho constantemente e que foi a responsável pela morte do menino.
Durante a leitura da sentença pelo magistrado, o salão estava lotado pela imprensa e os policiais que atuaram no caso. As cadeiras que foram reservadas aos familiares de Miguel permaneceram vazias.
Nas duas horas da réplica do Ministério Público, no começo da noite desta sexta-feira, a fala foi da promotora Karine Teixeira, que buscou detalhar provas contra as duas rés. O MP exibiu novamente o vídeo no qual Bruna aparece ameaçando de espancar o menino, mostrou a última imagem registrada do garoto, no qual ele aparece esquálido e pálido, e exibiu materiais que teriam sido usados para torturar Miguel.
— Elas sentem prazer em maltratar o Miguel. Tudo que foi praticado contra Miguel foram demonstrações de poder e subjugação — enfatizou.
A promotora argumentou que o relacionamento da mãe e da madrasta era doentio. Durante a fala do MP, Yasmin manteve a cabeça baixa a maior parte do tempo. Já Bruna comeu bolacha e tomou café, enquanto a promotora falava sobre o perfil dela.
Com uma das mãos, a representante do MP segurou a mala usada para transportar o corpo e com a outra a mochila do garoto. Outro ponto explorado pela acusação foram mensagens trocadas por Yasmin por telefone. Numa delas, a mãe teria escrito ao ser indagada sobre hematomas no corpo da criança.
— Meu anjo, o filho é meu, se eu quiser desmontar ele a pau e deixar três dias no hospital, quem pariu fui eu — promotora leu, reproduzindo a mensagem da mãe de Miguel.
Em 29 de abril de 2021, Yasmin teria trocado mais mensagens com outro homem, nas quais ela teria se referido ao filho com desprezo.
— Tu não conhece o Miguel. Ele está um ser humano muito ruim, detestável. Ontem fui brigar com ele e começou a gritar “chama a polícia” — promotora leu a mensagem de Yasmin.
A promotora exibiu ainda uma foto na qual a mãe e a madrasta estariam mantendo relações sexuais, enquanto o menino estaria trancado dentro do armário, ao fundo.
— Sentem prazer em ver o guri sofrer — reforçou.
A promotora afirmou que os medicamentos eram usados para que Miguel apanhasse quieto, e que Yasmin nunca planejou entregar o filho para a avó, porque se fizesse isso o garoto contaria sobre as torturas sofridas. No fim das argumentações, Karine apresentou um vídeo no qual é possível ouvir Miguel falando em dois momentos. No primeiro, é um menino animado, falando sobre brincadeiras. E no outro está dentro do armário na pousada, e se expressa com dificuldade. O MP buscou mostrar com isso que Miguel foi tão torturado, que nem conseguia mais falar como antes.
— Que a Justiça seja feita. E que o Miguel realmente possa descansar em paz — encerrou.
Às 19h, foi dado início aos últimos argumentos das defesas, sendo a de Yasmin a primeira a falar. O advogado Gustavo da Luz voltou a reforçar a tese de que a mãe nunca quis matar o filho. A defesa pede que Yasmin seja condenada pela tortura, por ocultação e pelo homicídio, porém como um crime culposo, em razão do entendimento de que ela não tinha intenção de matar o filho.
— Se elas quisessem matar, tomavam uma providência para matar. A Yasmin era uma péssima mãe? Era. Era negligente? Era. Mas em nenhum momento passou na cabeça dela o Miguel morrer — disse.
O advogado falou sobre o fato de o corpo de Miguel nunca ter sido encontrado. Os bombeiros mantiveram as buscas no rio e no mar ao longo de 48 dias, porém nada foi localizado. Durante o júri, poucas vezes esse aspecto foi citado no julgamento. As defesas em nenhum momento questionaram o fato de Miguel ter sido morto. As próprias rés admitiram que a criança foi morta.
— Não existe discussão. O Miguel morreu sim — disse Luz.
Logo depois, a advogada Thais Constantin voltou a falar, enfatizando que Yasmin não teve intenção de matar o filho, ainda que tenha sido a responsável pela morte. Em seu interrogatório, a mãe alegou que bateu no menino e que administrou um medicamento na criança. Ela disse que o filho já estava fraco, por não comer, e que teria encontrado o garoto morto.
— Não existe nenhuma prova de dolo dela de matar o filho. Esse ódio não ficou configurado. Isso não vai servir como marco para que acabem com a violência contra jovens e crianças nesse país — argumentou, citando outros casos de menores assassinados pelos pais.
A defesa de Bruna iniciou a fala em seguida, voltando a imputar à Yasmin a culpa pelo homicídio de Miguel. Os advogados argumentam que Bruna foi responsável por torturar o garoto e que acompanhou a mãe do menino até as margens do rio, onde ele foi arremessado. No entanto, negam que ela tenha cometido homicídio.
— Ninguém quer impunidade. A gente quer condenação. Mas uma pena justa. Cinquenta, sessenta anos com base no quê? A Bruna torturou, mas não matou o Miguel — enfatizou o advogado Ueslei Natã Boeira.
Também responsável pela defesa, Rafael Santos lembrou que foi Yasmin quem confessou ter assassinado o filho, e que em nenhum momento Bruna disse ter assassinado a criança. O advogado detalhou o depoimento de Yasmin e o de Bruna, ainda na fase policial. Nos relatos foram indicadas as torturas e agressões que o menino teria sofrido até ser morto.
— Não estou aqui dizendo que a Bruna é santa. Nada disso. Ela tem que ser condenada. Mas ela não matou o Miguel — ressaltou.
Após a condenação, a defesa de Yasmin afirma que pretende recorrer em relação à pena estabelecida. Especialmente por não ter havido atenuante por conta da confissão. Já a defesa de Bruna diz que já esperava pelo resultado e que avaliará possíveis recursos.