Ex-presidente é acusado de abuso de poder político e fazer uso indevido dos meios de comunicação
O plenário do TSE iniciou nesta quinta-feira a terceira sessão dedicada ao julgamento que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível pelos próximos oito anos
do ex-presidente Jair Bolsonaro. Até a suspensão da sessão, por volta das 13h, votaram os ministros Raul Araújo, Floriano Marques e André Tavares. O placar a favor da inelegibilidade, contando com o voto do relator Benedito Gonçalves, proferido na última terça-feira, dia 27, está 3 a 1.
O julgamento será retomado nesta sexta-feira a partir do meio-dia com o voto da ministra Cármen Lúcia. Em seguida tem o voto de Nunes Marques, ministro indicado por Bolsonaro para o STF, e, por último, o voto do presidente do Tribunal, ministro Alexandre de Moraes. A sessão extraordinária, que marcará o encerramento do primeiro semestre forense de 2023, será integralmente dedicada ao julgamento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) 0600814-85, que analisa a inelegibilidade de Jair Bolsonaro e de Walter Braga Netto, candidatos à Presidência da República nas eleições 2022, por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Às 9h15min, o ministro Alexandre de Moraes, presidente da Corte, abriu a sessão com a leitura da ata, retomando brevemente o que foi decidido nas duas sessões anteriores, dias 22 e 27 de junho. Em seguida, passou a palavra ao ministro Raul Araújo.
Raul Araújo não solicitou vista ao processo, frustrando o ex-presidente. Raul Araújo iniciou a leitura do seu voto cumprimentando o relator Benedito Gonçalves pela manifestação na sessão anterior, elogiou a qualidade do conteúdo e a contundência dos argumentos. No entanto, Raul Araújo discordou da inclusão da minuta do golpe ao processo. O ministro desqualificou o material apreendido pela PF. “Articulo inexistir qualquer conexão com a demanda, além de perfazer documento apócrifo, que nem sequer pode ser juridicamente considerado como documento”, afirmou.
O ministro argumentou que, em sua avaliação, o ex-presidente apenas “expôs sua posição política sobre temas abertos ao diálogo público” ao atacar as urnas eletrônicas na reunião com embaixadores estrangeiros em julho de 2022. O ministro classificou o encontro como “ato solene”. Também pregou, em diversos momentos, a “intervenção mínima” da Justiça Eleitoral para evitar uma “afetação indevida da autonomia” do voto popular.
De acordo com Araújo, mesmo que o TSE já tenha decidido sobre a inclusão do documento, por unanimidade, em fevereiro – é possível rediscutir o assunto agora. O posicionamento do ministro atendeu ao apelo da defesa de Bolsonaro, que propôs limitar o julgamento à reunião de Bolsonaro com embaixadores.
Em seguida votou o ministro Floriano Marques. Em seu voto, o ministro foi enfático na sua manifestação. Disse que houve abuso de poder do ex-presidente e desvio de finalidade na reunião com embaixadores. Além disso, considerou válida a inclusão da minuta do golpe no processo. Floriano votou procedente a ação contra Bolsonaro, condenando assim o ex-presidente a ficar inelegível pelos próximos oito anos. Ele decidiu absolver o então vice-presidente Walter Braga Netto. O magistrado classificou como “imoral” o ato de Bolsonaro.
O terceiro voto foi proferido pelo ministro André Tavares. Em seu voto, Tavares disse que a reunião do então presidente com embaixadores, transmitida pela emissora pública TV Brasil, em 2022, constituiu abuso de poder político, por ter sido parte de uma estratégia eleitoral de Bolsonaro. A denúncia trata justamente do uso da máquina pública e da da estrutura do governo em benefício da campanha à reeleição, então em curso.
O PDT acionou a Justiça Eleitoral, gerando a ação que agora é julgada. Na semana passada, em sessão que durou pouco mais de três horas, houve a leitura da ação, pelo relator ministro Benedito Gonçalves, e as falas do advogado do PDT, do Ministério Público Eleitoral (MPE) e da defesa de Bolsonaro. Concluídas estas etapas, o julgamento foi suspenso.
Por mais de duas horas, Gonçalves leu o relatório da ação movida pelo PDT. O documento detalha a acusação e o que foi apurado na investigação do caso.
Na sequência, falou o advogado de acusação, Walber Agra, representante do PDT, que disse que Bolsonaro usou a reunião para “desmoralizar as instituições” e que fez “ataques sistêmicos à democracia”.
O advogado Tarcísio Vieira Carvalho, que defende a chapa de Bolsonaro, falou em seguida e admitiu tom “inadequado” do então chefe do Executivo na reunião, mas argumentou que, por ter ocorrido muito antes do pleito, o caso devia ser tratado como propaganda eleitoral antecipada, irregularidade para a qual a pena prevista é de multa.
A manifestação seguinte foi do representante do Ministério Público Eleitoral (MPE). O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, apresentou o parecer do órgão, pela inelegibilidade de Bolsonaro. Concluída esta apresentação, Moraes suspendeu o julgamento.
O segundo dia do julgamento foi encerrado por volta das 22h de terça-feira (27). A sessão foi dedicada exclusivamente à manifestação do relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, que votou por tornar o ex-presidente impedido de concorrer até 2030.
Para Benedito Gonçalves, que decidiu por absolver o ex-vice-presidente Walter Braga Netto, Bolsonaro foi “integralmente responsável” pela reunião, uma vez que o material da apresentação feita aos embaixadores não teve a participação de ministérios, como o das Relações Exteriores e a Casa Civil. E ressaltou que os custos do evento, de R$ 12 mil, não refletem a “inteireza dos recursos públicos empregados”.
— O valor (da reunião) nem mesmo se estima em dinheiro, maior destaque está na solenidade. O convite (aos embaixadores) não indicava assunto da reunião, e representantes diplomáticos assistiram, por mais de uma hora, a uma apresentação que envolvia elogio do mandatário a si mesmo, ataque hacker ao TSE, críticas à atuação de servidores públicos, ilações a respeito de ministros deste tribunal, exaltação à atuação das Forças Armadas e exaltação do voto impresso recusado pelo Congresso — destacou.
Em sua análise, o relator rebateu os argumentos da defesa do ex-presidente a respeito da natureza da reunião e pontuou que toda comunicação busca influenciar o meio:
— A reunião, portanto, teve finalidade eleitoral, mirando influenciar o eleitorado e a opinião pública nacional e internacional. Com uso da estrutura pública e das prerrogativas do cargo de presidente da República, foi contaminado por desvio de finalidade em favor da candidatura da chapa investigada.
Gonçalves ainda rejeitou pedido da defesa de Bolsonaro para desconsiderar a minuta do golpe no processo, discordando da argumentação dos advogados do ex-presidente, de que o documento não poderia ter sido anexado ao processo porque diz respeito a fato posterior à eleição. A defesa lembrou que o TSE negou a inclusão de delações premiadas da Operação Lava-Jato nos autos da ação que pedia a cassação da chapa Dilma-Temer. Para o relator, no entanto, as situações são diferentes. Ele ponderou que a minuta do golpe tem relação direta com a ação contra Bolsonaro, ao contrário das delações premiadas que citavam as campanhas de dos ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) em 2014. Segundo a análise de Gonçalves, o documento é “golpismo em sua essência”.
— Ao alcance do ministro da Justiça (à época, Anderson Torres, na casa de quem a minuta foi encontrada), um documento permitia visualizar formas jurídicas que poderiam ser utilizadas para responder aos contínuos reclames do primeiro investigado de que algo precisava ser feito para impedir o êxito da suposta manipulação de resultados de 2022 — justificou o magistrado.
O julgamento da ação contra Bolsonaro no TSE é terminativo e não cabe efeito suspensivo. Ou seja, se a decisão for por condenação ou absolvição, os efeitos são imediatos. O único recurso possível e capaz de mudar a decisão é o Recurso Extraordinário (RE), que precisa ser admitido pelo TSE antes de ser enviado ao STF, onde será analisada eventual afronta à Constituição durante o julgamento.