Suposto esquema teria movimentado pelo menos R$ 2 milhões, segundo a Polícia Civil
Durante três anos, uma mulher de 39 anos que se apresentava como advogada teria enganado mais de 6 mil pessoas, no sul do Estado, ofertando o “milagre” da aposentadoria antes do prazo.
Janaina da Silva Pereira foi alvo de mandado de busca e apreensão pela Polícia Civil em 28 de março, mas, mesmo assim, seguiu agindo, como flagrou a reportagem da RBS TV. No último sábado (6), Janaina foi presa preventivamente.
Revelado pelo Jornal do Almoço, o suposto esquema teria movimentado pelo menos R$ 2 milhões, segundo o delegado César Nogueira.
— Até onde a investigação chegou, a gente acredita que sejam mais de 6 mil vítimas, o que põe essa investigada com certeza como uma das maiores estelionatárias do país — afirma Nogueira.
O perfil da maioria das vítimas era de pessoas com baixa renda e agricultores de Pelotas e de cidades vizinhas, como Turuçu, Piratini, Morro Redondo e Canguçu.
— Ela prometia tanto aposentadoria como o auxílio-doença. Dependendo do serviço solicitado, havia valores diferentes. Era R$ 1,5 mil para ingressar com pedido de aposentadoria e R$ 500 pra ingressar com pedido de auxílio-doença — explica Nogueira.
Relatos de vítimas ouvidas pela RBS TV indicam que Janaina se valia de diversas mentiras para ganhar a confiança dos clientes. A alguns, dizia que era advogada ou que tinha privilégios por meio de contatos dentro do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Um agricultor de 52 anos, de Pelotas, acreditava que seria possível obter o benefício oito anos antes da idade mínima. Ele pagou R$ 400 para Janaina.
— A gente foi lá, ela passou uma confiança muito grande. E onde eu caí no golpe — conta o agricultor.
— Eu até tive que vender um trator que tinha para cobrir as dívidas que eu fiz. Eu ia pedindo dinheiro emprestado, contando certo com aquele dinheiro que ia vim — acrescenta.
A esposa dele, de 57 anos, também pagou pelo suposto serviço. Diz que foi ludibriada durante três anos, com desculpas para explicar o atraso na concessão da suposta aposentadoria. Ela calcula em 50 as idas até o escritório da mulher, em Pelotas. Para cada viagem, perdia uma manhã de trabalho na lavoura. Até cair em depressão.
— Muito triste, muito triste. Não dormia de noite. É uma coisa muito, muito dolorida — diz.
A despachante era tão conhecida na região que surgiram até intermediários, de boa-fé, que encaminhavam clientes a ela em troca de pequenas comissões. É o caso de uma contadora que diz ter encaminhado cerca de 400 pessoas que buscavam a aposentadoria precoce.
Um sobrinho da contadora, pastor evangélico, teria sugerido o serviço a 120 seguidores da igreja. Até o ex-vereador de uma pequena cidade da região caiu no conto e recomendou o trabalho de Janaina a uma centena de agricultores.
— Ao buscarem por informações no INSS, diversas vítimas descobriam que, na verdade, sequer os documentos necessários à obtenção do benefício a mulher encaminhava ao instituto. Apenas abria um simples protocolo, às vezes nem isso fazia — relata a gerente-regional Carmem Regina Pinto Miranda.
— As pessoas vinham nas agências procurar informações sobre os seus benefícios. E aí ou nós não localizávamos ou nunca tivemos os documentos dessas pessoas, nunca tivemos — destaca Carmem.
O primeiro pedido de prisão preventiva de Janaina foi negado pela Justiça, que autorizou buscas no escritório dela. Durante a operação, a polícia descobriu uma espécie de “previdência privada” supostamente criada por ela para dar aparência de legalidade ao esquema.
A mulher escolheu cerca de 30 pessoas para realizar depósitos mensais, como se o dinheiro fosse do INSS. Assim, as vítimas pensavam que estavam aposentadas e faziam propaganda do escritório.
— Eu depositava todo mês pra eles, esses aí. Pra dizer que eles estavam aposentados, até eu conseguir aposentar… Daí eu menti, eu menti que “ele estava aposentado” e depositava pra eles. Esses aí não me ameaçam, estava pagando eles como se eles estivessem aposentados — confessou Janaina em depoimento à polícia.
No entanto, mesmo depois de sofrer buscas e de ter confessado a farsa, Janaina seguiu agindo. Como se fosse um cliente interessado em obter o milagre da aposentadoria, a reportagem da RBS TV foi até o escritório dela, com uma câmera escondida. Sem qualquer constrangimento, a mulher reafirmou que consegue a aposentadoria em poucos dias. E citou um suposto cliente contemplado.
— Teve uma que eu fiz semana passada, tinha um tempo bom, certinho. Eu entrei com o processo dele, na outra semana já recebeu a concessão — declarou.
O repórter, então, deixou o local. Mas retornou logo em seguida, desta vez identificado como jornalista da RBS TV. Ao abordar Janaina e um comparsa que tentou impedir a filmagem, foi expulso do escritório sem ter os questionamentos respondidos. Por seguir aplicando o golpe, a Polícia Civil voltou a pedir a prisão preventiva dela, desta vez concedida. E Janaina foi presa no último sábado.
A reportagem entrou em contato com o advogado de Janaina, mas ele não quis se manifestar e disse que vai abandonar o caso.