Investigada afirmou que indicações de atas de registro de preço e de empresas fornecedoras eram repassadas ao ex-secretário adjunto da Smed, Mario de Lima, em reuniões externas
Compras de materiais pedagógicos da Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre (Smed) teriam sido realizadas por determinações externas, com a indicação prévia do fornecedor escolhido. Em supostos encontros fora da pasta, as ordens seriam transmitidas ao ex-secretário adjunto Mario de Lima, a quem caberia comunicar os servidores que fariam a instrução dos processos administrativos para as aquisições.
As declarações foram prestadas à Polícia Civil, durante depoimento, pela ex-assessora técnica da Smed Mabel Luiza Leal Vieira. Ela disse não saber quem emitia as ordens a Lima nas supostas reuniões. Tanto Mabel quanto Lima deixaram de atuar na Smed entre junho e julho de 2023.
Um dos casos em que o procedimento teria ocorrido, afirmou Mabel, foi na compra de equipamentos e brinquedos pedagógicos feita pela Smed junto à Edulab Comércio de Produtos e Equipamentos, sediada em Curitiba (PR). O negócio somou R$ 4,2 milhões e ocorreu em dezembro de 2022. A Smed adquiriu os produtos por adesão à ata de registro de preço do Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Ambiental Sustentável do Norte de Minas (Codanorte), com sede em Montes Claros (MG). Esse procedimento é conhecido como “carona” por acelerar o gasto público. Entre os itens adquiridos da Edulab, estavam camas infantis, estantes organizadoras, gira-gira e jogos pedagógicos de encaixe e do alfabeto, dentre outros. Vendidos pela Edulab, os produtos eram da marca Brink Mobil.
Segundo Mabel, Lima teria retornado de uma reunião externa e feito a ela a determinação de que cancelasse uma despesa relacionada ao projeto de qualificação das praças e espaços de recreação das 98 escolas municipais e usasse o recurso para comprar da Edulab. A ata para negociar com a Edulab teria sido repassada por Lima, narra Mabel. A aquisição que acabou preterida, das praças, previa a encomenda de 17 diferentes itens para instalação nos colégios, desde balanços até casinha de bonecas, mesa de pebolim, escorregador e gangorra, entre outros.
— Ele (Lima) vinha com as informações de reuniões de fora e chegava com determinações. Derrubou as praças para entrar a Edulab. Foi dito pelo Mario que deveria ser desta empresa, a mando de alguém dessas reuniões que ele participava — depôs Mabel.
Ela também afirmou que teria recebido de Lima “a ata escolhida” para a compra de livros da Coleção Conexão, da editora Inca Tecnologia.
Nas CPIs da Câmara de Vereadores, a suspeita sobre a compra da Edulab foi abordada no dia do depoimento de Lima, em 16 de outubro de 2023. Na ocasião, a vereadora Mari Pimentel (Novo) apresentou o print de uma conversa de WhatsApp que teria Mabel e Lima como interlocutores, em 29 de novembro de 2022. No diálogo, Mabel teria dito que a compra deveria acontecer ainda em 2022 porque era “dos caras”. A parlamentar questionou quem eram “os caras”. Na resposta, Lima disse não ter lembrança da conversa e não reconheceu seu conteúdo e originalidade.
Mabel foi presa temporariamente pela Operação Capa Dura, da Polícia Civil, em 23 de janeiro. Ela foi solta no mesmo dia por ter colaborado com o inquérito, conduzido pelo delegado Max Otto Ritter, da 1ª Delegacia de Polícia de Combate à Corrupção (1ª Decor). A investigação apura um suposto esquema de fraudes licitatórias na Smed do governo Sebastião Melo. Centenas de itens comprados da Edulab permaneceram sem uso, estocados em um galpão precário na Avenida Voluntários da Pátria, conforme revelado em série de reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) a partir de junho de 2023. As camas infantis, por exemplo, formavam um paredão de produtos encaixotados e que estavam sem uso.
O que diz o ex-secretário adjunto Mario de Lima: “A secretária Sônia definiu a senhora Mabel Vieira, que é amiga pessoal e pessoa de confiança da então Secretária, como a responsável direta pelo gerenciamento das aquisições da SMED, o que pode ser facilmente observado nos processos públicos de compras da secretaria. Ao identificar que os processos foram mal instruídos por esta servidora e homologados pela Secretária Sônia à época, e diante das informações que surgiram na imprensa, considerei que o mais adequado era buscar maiores esclarecimentos. Então, solicitei abertura de uma Investigação Preliminar Sumária (IPS) à Controladoria-Geral do Município, sobre o armazenamento, distribuição e aquisições por meio de atas. Fui exonerado sumariamente dias depois da minha solicitação. Minhas atividades na SMED estavam de acordo com minha experiência técnica e formação acadêmica, que são historicamente conhecidas na Prefeitura e no meio profissional, e estavam relacionadas em garantir que a despesa no âmbito da secretaria, estivesse dentro dos limites orçamentários disponibilizados à secretaria, com base nas normas legais das finanças públicas. Além disso, como adjunto não possuía poder normativo para determinar despesas vultosas, como nessas aquisições, e muito menos, algum tipo de relação com fornecedores. Nas reuniões semanais sobre a SMED com o prefeito, vice-prefeito, secretário da fazenda, secretárias titular e adjunta pedagógica da SMED, a orientação dada era de que, qualquer despesa que comprometesse o orçamento do exercício de 2022 ou que não estivesse prevista no orçamento de 2023, fosse vetada. Logo, diante de tais restrições orçamentárias cabia à Secretária Sônia e sua equipe de assessoria técnica pedagógica, que eram autoridades no assunto, determinar as despesas prioritárias para o saldo orçamentário disponível naquele momento. Desde já, me coloco à disposição da opinião pública e das autoridades, para esclarecer sobre qualquer dúvida em relação às minhas atividades enquanto agente público, e para colaborar materialmente nas minhas afirmações.”
O que diz a Edulab: contatada por telefone e e-mail, a empresa não se manifestou até a publicação desta reportagem.