Setor que responde por 20% dos empregos do Estado deverá ser o mais demandado durante o processo de recuperação de casas e da infraestrutura comprometida pelas enchentes de maio
No último sábado, 25 de maio, a indústria celebraria o dia, demarcado desde 1948 no calendário, para render homenagens ao segmento no país. Diferentemente de outros momentos, em 2024, a data coincidiu com a contagem inicial dos danos causados ao chão das fábricas pelas enchentes que afetam direta, ou superficialmente, as cidades gaúchas onde estão fixados 818 mil empregos, o que corresponde a 94% das vagas ativadas pelas linhas de produção do Rio Grande do Sul.
O setor – responsável por 20% dos postos de trabalho formais do Estado (na média das demais unidades da federação, a proporção é menor, chega a cerca de 15%), segundo dados do Mapa do Emprego da Fecomércio-RS – será o mais demandado durante o processo de reconstrução do Estado. A projeção é evidenciada, sobretudo, pela necessidade de erguer novas moradias e pela abrangência da recuperação da infraestrutura logística destruída nas enxurradas.
De acordo com a Federação das Indústrias do RS (Fiergs), as 48,3 mil empresas, de maior ou menor porte, instaladas nos locais impactados pela chuva, respondem por R$ 116 bilhões do valor adicionado bruto (VAB) gaúcho. Do volume, R$ 19,6 bilhões estão relacionados às exportações, conforme informações extraídas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), vinculada ao Ministério da Fazenda.
Nessas unidades, o cenário atual é de estagnação, seja em razão da água acumulada em frente aos portões das sedes, dos estragos nas moradias dos colaboradores, ou pelas barreiras formadas pela lama dos deslizamentos nas estradas, o que impossibilita o trajeto logístico dos itens que saem das linhas de produção até os pontos de venda.
O panorama desenhado pelos dados setoriais, embora preliminar, preocupa. Os números antecipam a profundidade das perdas no setor que representa, no país, 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB). É essa a contribuição média das indústrias gaúchas para a atividade econômica do país, verificada entre 2012 e 2021, segundo a Fiergs com base em dados do IBGE.
Três décadas atrás (de 1992 a 2001), a proporção era próxima de dois dígitos. Naquele período, 8,4% de toda a riqueza econômica do país passava pelas esteiras de produção do Estado.
Mesmo diante da maior tragédia climática em extensão territorial do Brasil, o setor não deixa de olhar o horizonte para perceber o seu papel de destaque na reconstrução do Estado.
– Em um dos momentos mais desafiadores da história recente, a indústria celebra o seu dia, com espirito inabalável de resiliência e esperança. As inundações impactam severamente as empresas atingidas e as que sofrem com as interrupções logísticas. Na adversidade, o setor demonstra a força e a tenacidade que o caracterizam no RS. Nossas fábricas se reerguerão para auxiliar na reconstrução do bem-estar da população gaúcha – assegura Gilberto Petry, atual presidente da Fiergs, ao garantir também “o fornecimento de produtos essenciais e o impulso à geração de emprego e renda” no futuro.
Na esteira do protagonismo, esperado pelo novo presidente da Fiergs, Claudio Bier, está o efeito propagador da atividade para as demais áreas da economia gaúcha. Eleito na terça-feira (21), para ocupar a função a partir de julho, até 2027, ele acrescenta uma pitada de otimismo à atual conjuntura.
O empresário, que também dirige há duas décadas a principal entidade do segmento de máquinas e implementos agrícolas no RS (Simers), prevê participação prioritária da indústria em obras, fabricação de matérias-primas e maquinários. Mas pondera: para que o setor esteja à altura do desafio que se avizinha, existem medidas a serem tomadas desde já.
É o caso das linhas de crédito específicas e do programa de flexibilização e custeio compartilhado para os contratos de trabalho, semelhante ao praticado na pandemia, em 2020, destaca. Essas e outras demandas foram elencadas em proposta com 40 itens, apresentada ao governo federal na sexta-feira (17).
Somadas às solicitações de regimes emergenciais para a suspensão de taxas, encargos e isenção de tributos, também anotadas no documento entregue em mãos ao vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, teriam impacto estimado em R$ 100 bilhões nos cofres da União.
– Acredito que, depois de visitas e promessas do presidente da República, virão muitos recursos e condições para que a indústria gaúcha possa dar conta do trabalho que se impõe. Vai ter recomposição de máquinas, obra de infraestrutura, aumento da demanda por móveis. Temos que pensar positivo. Esse primeiro momento do desastre vai passar e nos permitir dar início à reconstrução do nosso Estado – projeta.
Dentro do extenso guarda-chuva das indústrias gaúchas, que abarca desde a transformação e o processamento de alimentos até a produção de insumos para o setor químico, existe um segmento posicionado na linha de frente do processo de recuperação do Estado. Trata-se da construção civil, atividade acompanhada há muito tempo do rótulo: “locomotiva de empregos” no país.
A máxima se justifica, entre outras razões, porque cada emprego gerado por esse setor abre, pelo menos, quatro novos postos de trabalho em diferentes áreas. É que a construção civil pode movimentar, conforme explica o presidente do Sinduscon-RS, Claudio Teitelbaum, mais de 90 atividades econômicas, demandadas para fornecer produtos e insumos essenciais aos cronogramas de uma obra. Envolvem desde aço, cerâmica, brita e cimento até as esquadrias e o maquinário.
Na avaliação de Teitelbaum, o aquecimento do mercado de trabalho na construção terá implicações positivas para as demais áreas, na medida em que os valores poderão circular livremente pelo mercado.
Ele observa que, apesar da demanda prenunciada por programas habitacionais disponibilizados pelo governo, o alcance e a contribuição efetiva da atividade na reconstrução do RS ainda dependem de modulação e incentivos.
O primeiro aspecto, seria um dispositivo capaz de permitir a preferência – dentro de padrões de tomada de preços – para a contratação de obras e a compra de insumos de empresas gaúchas. O segundo, está relacionado com o acesso às condições de crédito e prazos diferenciados. Isso vale, acrescenta o dirigente, tanto para o capital de giro, quanto para a tomada de empréstimos e financiamentos pelos clientes.
– É preciso que os governos percebam o setor como um grande motor alavancador da economia e que possam oferecer taxas de juros mais condizentes com a realidade do cenário. Hoje, os juros de financiamento à produção e o disponível para as pessoas flutuam além dos parâmetros inflacionários, entre 6% e 7% ao ano, enquanto a taxa chega a 11% – exemplifica.