Além dos abusos contra alunos com idades entre sete meses e quatro anos, as duas teriam ameaçado funcionários para que obedecessem e não fizessem denúncias
As duas diretoras presas por suspeita de maus-tratos e tortura contra crianças, em Serafina Corrêa, teriam mordido e sufocado alunos da Escola Infantil Ludicamente entre os anos de 2022 e 2024. Além das suspeitas de abusos contra os menores, as duas teriam ameaçado funcionários para que obedecessem e não fizessem denúncias. Nesta sexta-feira (26), a escola continua aberta e, conforme relatos de pais e professores, recebeu dois dos cerca de 40 estudantes. As profissionais, que tem 26 e 28 anos, foram presas preventivamente na tarde de quinta (25) pela Polícia Civil.
De acordo com o delegado responsável pelo caso, Juliano Goelzer, titular da delegacia da cidade, a investigação começou na última sexta-feira, dia 19 de janeiro, e apurou os crimes contra crianças de idades entre sete meses e quatro anos. A escola não tem câmeras de segurança internas, somente externas, que devem ser analisadas. As mulheres estão no Presídio Estadual de Guaporé.
A reportagem conversou com professores da escola, que pediram para não se identificar. De acordo com um deles, a situação foi informada aos pais no começo de janeiro por um professor recém-contratado que decidiu expor os maus-tratos. Este professor teria trabalhado no local por uma semana, quando pediu demissão por não compactuar com a forma como as diretoras tratavam alunos e funcionários.
— Trabalho com educação infantil há dois anos e nunca vi esse tipo de situação. Fiquei uma semana na escola e pedi demissão. Teve um dia que vi uma delas pegar uma criança pelo braço e levar com ela. Não sei para onde levou, mas um tempo depois trouxe de volta e pediu para trocarmos a criança porque ela tinha vomitado. Quando foram trocar a criança, ela começou a falar “o Tuli mordeu” e vimos uma mordida no braço dela, mas não era mordida de criança, era mordida de adulto. Foi quando percebi que aquilo não é uma escola normal e decidi denunciar — lembra o professor.
Segundo outro professor, as mordidas seriam comumente feitas em bebês, que não poderiam contar aos pais sobre os ocorridos ou em crianças que estavam em fase de desenvolvimento da fala. Nesses casos, as diretoras ensinariam as crianças a “culpar” algum colega da escola, para que não dissessem os nomes das mulheres.
— Eu contei para dois pais sobre o que vi com os filhos deles, um acreditou em mim e outro contou para elas o que eu tinha dito. Elas me ligaram e me ameaçaram. Disseram que me processariam, que elas tinham advogados fortes e eu seria processado por difamação e calúnia contra a escola. Na segunda ligação que fizeram uma delas disse para eu guardar a língua dentro dos dentes porque se não eu acordaria com a boca cheia de formiga — revela o professor.
Com a ideia de método montessoriano, as diretoras teriam dito em diferentes ocasiões que os pais dos alunos sabiam do formato de ensino aplicado na escola e concordavam com ele, pontuando que não havia motivo para qualquer denúncia. A metodologia que diziam aplicar no local foi criada por Maria Montessori, em 1937 na Itália, e coloca as crianças no centro do próprio conhecimento.
— Elas diziam que eles sabiam do que acontecia na escola e, não dá para explicar, mas no momento em que somos contratados é tudo mil maravilhas. Quando entramos para trabalhar elas manipulam, aterrorizam e usam o nosso psicológico, nos vemos sem reação diante delas. Elas agem como se tivessem poder sobre os professores e nós olhamos para elas como se nós também fossemos crianças e não conseguimos reagir — pontua o professor.
Além dos relatos de mordidas, professores lembram de casos onde uma delas ouviu uma das crianças chorando e, para obrigar a criança a parar, teria erguido ela pelo pescoço e debochado dos professores, dizendo para a criança que ninguém poderia ajudá-la. Os casos de maus-tratos incluiriam ainda a alimentação dos alunos, que seriam forçados a comer e, se recusassem alguma das refeições, ficariam sem comida até o jantar.
— Quando elas ouviam algum bebê chorando, elas entravam na sala e tapavam a boca dele com a mão, tentando sufocar para ele parar ou enrolavam eles bem enroladinhos naquelas mantas e colocavam eles no chão. Quando faziam isso elas diziam que não podíamos pegar eles do chão porque eles iam parar sozinhos de chorar — diz outro professor.
Conforme os relatos dos professores, as diretoras circulariam pela escola para acompanhar tudo o que estava acontecendo em cada ambiente. Em diferentes situações, teriam impedido que os professores pegassem os alunos no colo ou dessem comida na boca dos bebês, afirmando que mesmo tendo menos de um ano de vida, as crianças teriam autonomia e saberiam comer sem riscos.
— A comida que as crianças maiores comiam era a mesma que davam para os bebês e nós não podíamos alimentar eles. Às vezes era sopa de capeletti, bolo, coisas que um bebê de sete meses não pode ou não consegue comer sozinho e elas diziam que eles sabiam se virar sozinhos. Como eu vou deixar um bebê de sete meses comer um bolo sozinho? — questiona o professor.
Durante brincadeiras do lado de fora da escola, as diretoras teriam ainda o hábito de pedir para os professores que retirassem as crianças dos brinquedos e, caso elas chorassem, eram levadas por elas para alguma sala. Em outras situações, obrigariam as crianças a fazer coisas que elas não queriam.
— Tem crianças que tem costumes próprios, tinha um menino que não gostava de se sujar e elas obrigavam a gente a tirar o calçado dele para ele pisar na areia, mesmo que ele chorasse. Elas mandam e desmandam no que podemos ou não fazer e chamam a gente para conversar dizendo que sabem o que estão fazendo — revela outro professor.
Depois do caso ser informado para Denise Kaciava, mãe de uma menina que frequentava a escola, a enfermeira decidiu conversar com outros pais para saber se a situação estava se repetindo com outras crianças. De acordo com ela, foi depois de saber o relato de outras mães e a confirmação de professores, que ela registrou um boletim de ocorrência contra as diretoras e a escola.
— Minha filha chegou uma vez com corte no dedo, outra com corte no nariz, mordidas e a justificativa da escola era que tinha sido algum colega ou que elas não tinham visto nada. Quando um professor veio falar comigo em sigilo, eu entrei em pânico ouvindo tudo. Não sabia se era verdade e comecei a mobilizar os pais e muita coisa começou a vir à tona — lembra a mãe.
De acordo com Denise, além dos boletins de ocorrência registrados por ela e outros pais, as famílias estão organizando uma mobilização para que a escola seja fechada.
Segundo a Polícia Civil, o caso continua sendo investigado. As duas diretoras foram presas preventivamente nesta quinta-feira (25) em Serafina Corrêa, suspeitas de praticar maus-tratos e tortura, mediante castigo, contra crianças com idades entre sete meses e quatro anos.
Segundo a investigação da Polícia Civil, os crimes teriam sido cometidos nos anos de 2022, 2023 e 2024. Com isso, a polícia solicitou as prisões preventivas ao Poder Judiciário de Guaporé e teve o pedido deferido.
De acordo com a advogada Verônica Almeida, que representa a escola na área de Lei Geral de Proteção de Dados (LGBD) e gestão, “não há posicionamento neste momento, uma vez que estamos na instrução processual e há muito a ser feito. Cabe ressaltar que há outro colega responsável pela parte criminal, que tão logo possa manifestar, o fará”. Conforme Verônica, o responsável pela parte criminal foi constituído na última semana para representar as diretoras no caso denunciado. Até a publicação desta matéria, a reportagem não conseguiu contato com o profissional.
Fonte : GZH