Estado somou 3.577 casos de violência contra a terceira idade em 2023. Em Porto Alegre, foram reportadas 737 ocorrências à Polícia Civil no ano passado
A cada duas horas, um crime foi cometido contra um idoso, em média, no Rio Grande do Sul em 2023. Além disso, os 3.577 casos registrados no ano passado representam um aumento de 58% em relação a 2019, quando houve 2.260 ocorrências desse tipo no Estado. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública (SSP).
Os maus-tratos lideram o ranking de delitos desse tipo reportados no período. Só em 2023, foram registradas 1.206 ocorrências, o que representa um crescimento de 59% nos últimos cinco anos.
A delegada Ana Luiza Caruso, titular da Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso da Capital, explica que entre os casos mais comuns de maus-tratos atendidos pela polícia estão aqueles cometidos em clínicas geriátricas. As ocorrências podem envolver desde o não fornecimento de medicamentos, alimentação precária, acomodações degradantes ou mesmo a privação de algo que o idoso necessite para viver.
— Já tivemos situações em que o idoso não queria trocar a fralda e a pessoa torceu o seu braço. Também recebemos muitos casos de abusos, inclusive sexuais, cometidos dentro de hospitais — pontua a delegada.
Em um caso recente, as denúncias de familiares resultaram na investigação policial que apura as condições de funcionamento da clínica geriátrica Dulce La Vitta, no bairro Morro Santa Tereza, em Porto Alegre. Segundo a apuração da polícia, pelo menos oito denúncias de maus-tratos, furto e estelionato, que teriam ocorrido no local, foram registradas entre março e abril.
De acordo com a delegada, não compete à polícia o fechamento do espaço, pois requer uma ordem da Justiça e a realocação das pessoas acolhidas no local. Procurada pela reportagem em 24 de abril, a proprietária da clínica negou os fatos e disse que as denúncias foram feitas por pessoas que não pagavam a mensalidade.
Na semana anterior, outro caso repercutiu internacionalmente, quando uma mulher que se dizia sobrinha levou um idoso morto até uma agência bancária para tentar sacar um empréstimo. O fato aconteceu em um banco na zona oeste do Rio de Janeiro no dia 16 de abril. A mulher foi presa e investigada por tentativa de furto mediante fraude e vilipêndio a cadáver, mas negou que o idoso estivesse morto quando chegou ao estabelecimento.
Em agosto do ano passado, o caso de um idoso deixado na calçada pelo próprio filho em Montenegro, no Vale do Caí, repercutiu em todo o Estado e foi alvo de investigação da Polícia Civil. O inquérito foi concluído em outubro com o indiciamento dos filhos e da nora do idoso pelo crime de abandono.
Contudo, o fato não foi um caso isolado. O levantamento da SSP aponta que em 2023 houve 325 casos de abandono de idosos no RS, ou seja, 46% a mais que em 2019, quando houve 222 registros. A delegada Ana Luiza Caruso explica que o abandono pode ocorrer de diferentes formas.
— Temos muitos casos de filhos que sustentam os pais e acham que os outros filhos deveriam colaborar com esse sustento. Daí eles vêm aqui e registram abandono, mas não é. O abandono do idoso muitas vezes acontece quando alguém deixa o idoso no hospital e não volta mais. Ou abandona em uma clínica e some. Assim como abandonar o idoso sozinho em casa.
Para este último exemplo, entretanto, a delegada pontua que a polícia faz uma análise acurada de cada caso. Ela sublinha que é necessário levar em consideração a condição socioeconômica de cada pessoa, se ela têm condições de ficar em casa, sem trabalhar, para cuidar do seu ente ou se ela teria a possibilidade de contratar uma cuidadora.
Em Porto Alegre, os 737 crimes contra idosos reportados no ano passado estão 10% acima dos registros de cinco anos atrás (667), segundo os dados da SSP. Contudo, a Capital vem apresentando uma redução gradual desde 2021, quando houve uma alta expressiva, chegando a 1.038 casos.
Segundo a delegada Ana Luiza Caruso, a delegacia recebe, diariamente, de 10 a 15 ocorrências via Disque 100 e mais 10 recebidas presencialmente. Ela explica que nem todos os casos se enquadram nos crimes previstos no Estatuto do Idoso, que são o foco do atendimento especializado fornecido pela DP, mas ainda assim são recebidos no espaço.
Atualmente, a delegacia do idoso acumula 4,5 mil inquéritos em andamento. A delegada comenta que pode ter ocorrido um aumento de casos durante a pandemia de covid-19 devido ao isolamento social. Além disso, ela estima que com o envelhecimento da população, haja uma tendência de um crescimento proporcional destas ocorrências.
— Durante a pandemia, afloraram os crimes cibernéticos e o idoso é uma pessoa que não tem tanta familiaridade com o ambiente digital se tornando uma presa fácil para os criminosos. A criminalidade como um todo aumentou durante a pandemia. As pessoas estavam ficando mais fechadas então ocorriam mais desentendimentos. Hoje temos 23% da população de idosos em Porto Alegre. Aumentando o número de idosos, deve aumentar proporcionalmente — diz.
Os idosos estão entre as principais vítimas de golpes e crimes cibernéticos. Como nem todos estão previstos no Estatuto do Idoso, algumas vezes acabam sendo registrados como crimes comuns. O crime de apropriação indébita contra idoso, por exemplo, teve 388 registros em 2023.
A delegada explica que os estelionatos contra a terceira idade podem ser praticados por familiares que têm interesse em benefícios sociais e pensões dos idosos ou por criminosos que atuam em bancos.
— Tem aquelas pessoas que ficam em caixas de bancos se oferecendo para ajudar os idosos e se aproveitam para trocar o cartão. O idoso só percebe quando chega em casa. Nas famílias ricas, o que ocorre às vezes é que um idoso tem um cuidador e algum familiar faz uma denúncia para tentar desqualificar esse profissional e ter acesso aos bens do idoso. Em alguns casos, investigamos a denúncia e verificamos que ela não procede — conta a delegada.
Do mesmo modo, também há cuidadores que tentam se aproveitar dos idosos. A delegada recorda de um caso em que, após uma investigação, foi localizada a quantia de R$ 300 mil na conta da cuidadora, que teriam sido transferidos de uma idosa.
Ela também menciona o chamado “golpe do bilhete”, em que os bandidos convencem os idosos a participarem de um sorteio forjado para tomar o seu dinheiro. A delegada pontua que, em alguns casos, há resistência das vítimas em denunciar o crime, pois eles têm medo de ser agredidos ou mesmo retirados de casa e deixados em uma clínica geriátrica.
Quadro de servidores reduzido e alta demanda são alguns dos principais desafios para o combate aos crimes contra idosos. Na DP especializada, em Porto Alegre, por exemplo, além da delegada, há apenas três policiais plantonistas, um escrivão e dois inspetores para atuar nas investigações, uma secretária, três agentes de cartório e a chefe de cartório.
Em junho, a Capital deve receber o apoio da Operação Virtude, uma ação integrada nacional, promovida pelo governo federal, para o combate à violência contra a pessoa idosa, que deve impulsionar a apuração de denúncias, atendimentos a vítimas e realização de prisões.
Além da força de trabalho, outro entrave à proteção dos idosos apontado pela delegada Ana Luiza são as penalidades brandas estipuladas pela legislação brasileira. Para os crimes de maus-tratos ou de apropriação indébita, por exemplo, as penas variam de um a quatro anos de prisão, no máximo. Apesar dessas dificuldades, ela ressalta a importância de denunciar os casos de abusos .
— É fundamental que as pessoas denunciem esses casos para que essas clínicas que operam com irregularidades, abrigando idosos em condições insalubres, possam ser investigadas, assim como os crimes que ocorrem dentro de casa com idosos incapacitados de denunciar — sublinha a delegada.
Se você é vítima ou conhece algum idoso que esteja sofrendo algum tipo de violência, procure auxílio nos seguintes canais: