Juíza Marilene Campagna leu sentença no final da noite desta quarta-feira (18)
Em maio de 2020, o município de Planalto/RS, no norte do Estado, foi estremecido com a notícia de que uma mãe matara o próprio filho. Após mais de uma semana de buscas pelo garoto, Alexandra Salete Dougokenski indicou o local onde estava escondido o corpo de Rafael Mateus Winques, 11 anos, Nesta quarta-feira (18), depois de três dias, chegou ao fim o julgamento da ré, que é acusada de ter assassinado o caçula.
Os jurados decidiram que Alexandra é culpada pelos crimes de homicídio qualificado, ocultação de cadáver, falsidade ideológica e fraude processual. Ela foi condenada a 30 anos e dois meses de reclusão, além de seis meses de detenção. A sentença foi lida pela juíza Marilene Campagna por volta das 23h40min.
Pelo homicídio qualificado, Alexandra foi sentenciada a um total de 28 anos de prisão; pela ocultação de cadáver, condenada a um ano e dois meses; e por falsidade ideológica, a um ano de reclusão. Por fim, a magistrada ainda determinou que ela cumpra seis meses de detenção por fraude processual.
A mãe, o irmão e o filho de Alexandra, que estavam aguardando pela decisão, optaram por não acompanhar a leitura da sentença, assim que foram comunicados da condenação.
Já a ré ouviu toda a leitura dentro do salão do júri, junto dos advogados de defesa. De cabeça baixa, a mulher não esboçou reação. A juíza ainda explicou que fica mantida a prisão de Alexandra, que já estava segregada desde maio de 2020.
O advogado de defesa, Jean Severo, disse que vai recorrer da sentença. Ele também afirmou que irá pedir a anulação do júri, alegando que a promotora Michele Dumke Kufner teria ferido o silencio da ré, embora ela tenha citado somente os familiares nominalmente.
Reunidos em frente ao Fórum de Planalto desde o fim da tarde, moradores aguardavam pela sentença. Faixas com pedidos de “pena máxima” e “Justiça por Rafael” eram exibidas pela comunidade. No momento em que a juíza lia a sentença, de dentro do Fórum era possível ouvir os gritos da comunidade.
Assim que foi encerrada a sessão, os três promotores, Michele Dumke Kufner, Diogo Taborda e Marcelo Tubino, junto do advogado Daniel Tonetto, seguiram até a frente do prédio. Eles foram recebidos com gritos eufóricos e comemoração por parte dos manifestantes. Taborda foi o primeiro a andar até a população e ser envolvido por um abraço comunitário.
— A cidade de Planalto impediu de ficar conhecida como a cidade da impunidade. A sociedade, o corpo de jurados deu o exemplo, deu a pena máxima à ré Alexandra pelo homicídio cruel que praticou contra o próprio filho. Aqui fica o ditado, fica o sentimento de vitória da vida contra a morte. Dever cumprido — disse Taborda.
Logo depois, os outros três promotores também foram cercados por moradores. Tubino falou sobre a recepção da comunidade.
— Essa gratidão aqui, isso nos vale muito — afirmou.
Os moradores seguiram cercando os promotores, abraçando, agradecendo e pedindo para fazer fotos. Emocionada, a promotora Michele disse que no dia da localização do corpo de Rafael prometeu que não descansaria enquanto não alcançasse justiça.
Promotores de Justiça
— O dia que eu estava aqui, que o corpo foi encontrado, eu prometi na frente daquela caixa que eu ia buscar a justiça que aquela criança merecia. Com a graça de Deus, com a ajuda da comunidade e dos sete jurados, e com apoio de toda a população, nós conseguimos que a justiça fosse finalmente cumprida, que o Rafael tivesse a resposta que ele precisava e que a Alexandra tivesse a pena justa que ela merecia e que a sociedade tivesse a paz restabelecida — disse.
O advogado Daniel Tonetto, que representa o pai no processo como assistente de acusação, afirmou que a pena obtida foi considerada satisfatória para os crimes.
— Ficamos satisfeitos. A justiça foi feita. Todas as provas demonstravam a não deixar a menor dúvida de que ela era a culpada. E o comportamento dela no processo, sempre agressivo, tentando imputar esse crime terrível para terceiros inocentes, inclusive o pai da criança, todas viram. É claro que está todo mundo triste, não tem como estar feliz numa situação como essa, mas saímos ao menos com o dever cumprido —avaliou o advogado.
O pai de Rafael, Rodrigo Winques, que foi acusado por Alexandra em sua última versão de ter sido o autor do crime, esteve em frente ao Fórum logo após a leitura da sentença.
— Senti muito a falta dele, a perda dele. Tentaram fazer várias coisas para empurrar pra mim, sendo que eu estava lá (na Serra). Sinto sempre a falta dele, porque era o único filho que eu tinha — disse.
Assim como previsto, acusação e defesa apresentaram aos jurados dois perfis de Alexandra. De um lado, a acusação buscou apresentar uma mulher fria e manipuladora, que foi capaz de asfixiar o menino até a morte, num crime arquitetado, enraivecida porque ele desobedecia suas ordens e não parava de usar o celular. De outro defesa tentou mostrar uma mãe zelosa, vítima de série de violências cometidas pelo ex-marido, pai do menino Rafael, e que teria sido injustiçada.
Responsável por elaborar a denúncia do crime, a promotora Michele narrou que foi até a casa de Alexandra assim que soube do sumiço do garoto, para prestar solidariedade.
— Se tivéssemos alguma dúvida da responsabilidade da Alexandra, pela morte do filho dela, não viríamos aqui pedir a condenação — afirmou.
A promotora relatou que foi até a casa de Alexandra em 21 de maio daquele ano, para prestar solidariedade. Nesse mesmo dia, a mãe teria mandado mensagens para o pai de Rafael pedindo informações sobre o filho e também enviado mensagens ao então namorado.
— Naquele mesmo dia, eu estive na casa dela. Eu passei pelo corredor onde ela arrastou o corpo do filho dela. Eu sentei no sofá e fiquei mais de uma hora conversando com ela. Naquele momento, ela era uma mãe procurando o filho. Eu queria ouvir dela o que tinha acontecido, ela era uma mãe sem filho — disse.
Por outro lado, a defesa insistiu em atacar Rodrigo, pai de Rafael. O advogado Severo afirmou que comprovaria que o agricultor não estava na Serra, como afirmou desde o início. Neste momento, exibiu uma foto do quarto de Rodrigo e logo depois uma selfie, com data de 14 de maio, na qual ele aparecia com outra parede de fundo — na imagem não é possível identificar o local. Ainda assim, o criminalista sustentou que isso indica que ele não estava no quarto dele em Bento Gonçalves.
— Ele, infelizmente, matou o menino. O que eu peço é a absolvição da Alexandra por todos os crimes imputados a ela. (…) O que vocês vão perder se absolver, ainda mais uma inocente? Num processo onde a dúvida se impõe. A defesa mostrou claramente que o Rodrigo estava em outro ambiente, diferente do que ele afirmava. (…) Pensem nisso, eu consigo condenar a Alexandra em cima disso? Não, eu preciso de robustez processual para mandar alguém praticamente para a morte — afirmou.
Por fim, voltou a sustentar que não havia motivação para o crimee pediu que a ré se aproximasse do filho mais velho, Anderson, que acompanha o júri.
— A Alexandra era uma boa mãe. Vamos fazer justiça, vamos absolver essa moça. Uma mãe não mata o filho.