Autor do atentado à creche de Blumenau é indiciado por quatro homicídios qualificados e cinco tentativas
Inquérito apontou como qualificadoras dos crimes consumados e também dos tentados motivo torpe, meio cruel, impossibilidade de defesa das vítimas e contra menores de 14 anos
Foto: Taba Benedicto / Estadão Conteúdo
A Polícia Civil e o governo de Santa Catarina realizaram coletiva de imprensa na tarde desta segunda-feira (17) para apresentar detalhamentos da investigação sobre o ataque a uma creche em Blumenau, ocorrido no último dia 5 de abril, e a conclusão do inquérito do caso. Autor do crime que deixou quatro crianças mortas e outras cinco feridas, o homem de 25 anos, que está preso, foi indiciado por quatro homicídios consumados — com qualificadoras de motivo torpe, meio cruel, impossibilidade de defesa das vítimas e contra menores de 14 anos — e por mais cinco homicídios tentados com as mesmas qualificadoras.
Um dos delegados responsáveis pela investigação, Rodrigo Raitez fez uma apresentação de slides que demostraram a dinâmica da ação no dia do atentado, com base em imagens de câmeras de segurança da região que identificaram todos os pontos por onde o criminoso passou até chegar à creche Cantinho Bom Pastor, uma instituição de ensino particular localizada na Rua Caçadores. Conforme a explanação do delegado, 20 segundos foi o tempo total que o suspeito permaneceu no local, entre pular o muro para entrar, atacar as crianças, pular o muro novamente e deixar a creche.
Raitez reiterou o que a polícia já havia informado durante as investigações, que o autor do crime tinha, inicialmente, outras duas escolas como alvo, mas acabou desistindo e optando pela creche. Foram mostradas imagens do criminoso passando em frente a essas outras duas escolas, momentos antes do crime, e mudando a rota, até se dirigir ao local onde concretizou o ataque. A polícia apresentou fotografias da motocicleta utilizada por ele, bem como dos instrumentos utilizados na escola: uma machadinha e um canivete.
Roni Esteves, outro delegado à frente do caso, falou sobre os depoimentos de pessoas ouvidas durante a investigação, como a mãe do autor e o próprio suspeito. Segundo Esteves, a mãe relatou que o filho era usuário de drogas e costumava ter alucinações — o que foi corroborado por mais de 10 testemunhas, segundo a polícia. Uma delas é um amigo do suspeito, com quem, duas semanas antes do ataque, o autor teria conversado em uma praça e mencionado supostas perseguições que viria sofrendo por parte do padrasto e até da polícia:
— Ele disse a esse amigo que faria algo grande. Mas o amigo disse que não costumavam acreditar em nada que do que ele dizia, justamente por conta dessas alucinações, e então não deram sequência ao que ele falava.
“Não tem nenhuma condição de viver em sociedade”
O delegado ainda detalhou o relato do criminoso à polícia, no qual, inicialmente disse que teria sido ameaçado para que cometesse o atentado, mas que depois voltou atrás.
— Em um pico de estresse, ele revela que não houve ameaça nenhuma, ele desmente essa questão da ameaça — afirmou Esteves. — Uma semana depois, a gente esperava encontrá-lo mais calmo, menos agressivo, mas continuou frio, disse como fez, que não se arrependia do que fez e que faria de novo. É uma pessoa que não tem nenhuma condição de viver em sociedade. Nenhuma punição é suficiente para reparar o que ele fez, mas nós fizemos a nossa parte — acrescentou.
Com base no depoimento da mãe, Esteves revelou um episódio anterior envolvendo o criminoso, que teria esfaqueado o padrasto e se entregue à guarda municipal, informando o que havia feito. Na ocasião, relatou Esteves, ele chegou a ser internado para tratamento contra as drogas, mas, ao ser solto, voltou a consumir entorpecentes, especificamente cocaína. A polícia ainda explicou que o caso da agressão ao padrasto não foi levado adiante porque a vítima, ao ser chamada pela Polícia Civil para depor, disse que não tinha ido ao IML fazer os exames necessários, que comprovariam a gravidade das lesões, e que não queria fazer nada em relação ao enteado, já que ele seria internado para tratamento. O padrasto também negou que tivesse sido ameaçado por ele com arma de fogo.
Sendo assim, explicou a polícia, sem que a vítima tenha representado e sem a comprovação de gravidade de lesões — o que permitiria a representação por parte do Estado —, a polícia não teria como abrir denúncia contra ele.
Extração de dados do celular
A polícia catarinense também afirmou que foi descartada a possibilidade de que o ataque à creche teria sido uma ação coordenada. De acordo com a análise do telefone celular do suspeito, o único aparelho eletrônico que ele tinha, não havia ninguém a mais por trás da ação.
— Nada no telefone indicava que a ação foi planejada por mais de uma pessoa. Não houve uma coordenação. O crime foi praticado por uma única pessoa. A ação não foi preparada e não foi coordenada. Tudo aponta para uma ideia que ele alimentou na cabeça dele e, sem fazer nenhuma pesquisa, ele acabou praticando esse ato — destacou o delegado.
O criminoso também não está associado a nenhuma célula neonazista, respondeu a polícia a um questionamento durante a coletiva. Mas informou que o o homem participava de grupos de Facebook sobre pesquisas satânicas.
Exames toxicológicos e avaliação psicológica
Em relação aos resultados dos exames toxicológicos do autor do crime, a perícia revelou que foi apontada presença de cocaína e álcool no organismo do suspeito, contudo, não é possível precisar se ele estava sob uso das substâncias no momento exato do ataque ou se tratava-se de reflexo da metabolização das drogas utilizadas dias antes no organismo.
Sobre a condição psiquiátrica do criminoso, informou a polícia, no decorrer as investigações não apareceu nenhuma informação oficial de que ele tivesse sido diagnosticado com transtorno mental.
— O que apareceram foram históricos de surtos, possivelmente surtos psicóticos, talvez potencializados pelo uso da droga, o que a gente também ainda não pode dizer com certeza. Até o momento, mesmo segundo informação dos familiares, ele já passou por processos de internação por questão da droga, mas nenhum familiar ou pessoa conhecida trouxe que ele teria sido diagnosticado com qualquer tipo de transtorno. Ele ainda vai passar por avaliação — esclareceu a psicóloga responsável.
Logo no início da coletiva, o delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, já havia feito menção à sanidade mental do autor do ataque e reforçado que a condição psiquiátrica que venha a ser atribuída a ele não o exime de responsabilidade ou de punição.
— Temos que entender que, dentro do Direito Penal, há formas diferenciadas de punição. Não enseja situação de impunidade, será punido duramente pelos crimes que praticou. Mas essa situação vai ser discutida na fase do julgamento, porque nessa fase de 10 dias em que concluímos inquérito com ele preso, é complexo identificar situação nesse sentido — disse Gabriel, acrescentando que a polícia ainda trabalha para traçar o perfil psicológico do homem e que vem fazendo análise de suas redes sociais para avaliar comportamentos que permitam fazer um trabalho preventivo de segurança com base no que for observado.
Fonte: Gaúcha GZH
Créditos: Taba Benedicto / Estadão Conteúdo