Soldado deixou a BM, e sargento perdeu viagem de férias
Joabson Leal Dorneles Silva, 38, pediu exclusão do quadro da BM em setembro de 2022, após sofrer uma suposta perseguição da superior. Ao deixar a corporação, incluiu no processo administrativo de baixa uma lista de motivos para a saída: violência psicológica, abuso de autoridade, ataques à dignidade, honra e uma inversão da culpa — de vítima a causador dos constrangimentos. Hoje, é advogado e atua em defesa dos antigos colegas.
— Pedi para sair para poder lutar por aqueles que ficaram e são calados, intimidados a tolerar os abusos, por acharem que não existe opção.
Silva afirma ter presenciado pessoas adoecendo devido a pedidos de transferência negados.
— Considero oficiais de saúde da instituição, não dos policiais. Eu, que fui militar e advogo para militar, sinto a dor dele e sei do risco de isso terminar em suicídio — conclui.
Um sargento ouvido, e que mantém o nome em sigilo, diz que teve a família abalada por ter tido negado um pedido de mudança na escala. Uma viagem junto da esposa estava programada, mas o acordo verbal deixou de ser cumprido, segundo contou à reportagem.
Há 20 anos no patrulhamento, ele reclama não ter diálogo na chefia do batalhão.
— Não levou em conta meu tempo de serviço. Era um direito que eu tinha. Reclamar pra quem? — questiona.
Ainda conforme o policial, há contestação das reclamações levadas ao comando, o que contribui para o clima instável, como define. O praça reconhece que existem opções para acolhimento, e que viu colegas em depressão ajudados pelas equipes. Para si, preferiu manter a resignação.
“Arriscam a vida para salvar a nossa”, diz psicóloga civil
Faz uma década que a psicóloga Michelle Moreira Saldanha, 41, atende os agentes de segurança, a partir de um convênio da clínica onde trabalha. São 20 horas semanais, nas quais escuta as mais variadas histórias: morte, plantões cansativos e cobrança “para que sejam heróis”, como definiu a própria psicóloga sobre o sentimento imbuído à tropa pela sociedade.
— O trabalho deles não é nada fácil. Ninguém procura a Brigada para coisa boa. Eles arriscam a vida todos os dias para salvar a nossa — reitera.
O trabalho deles não é nada fácil. Ninguém procura a Brigada para coisa boa.
MICHELLE MOREIRA SALDANHA
psicóloga
O acolhimento pelos psicólogos, exclusivamente civis, é feito fora dos muros da coorporação, em uma casa do bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Nos batalhões, existe um complemento, em palestras e rodas de conversa.
— Não é à toa esse crescimento (nos atendimentos), a instituição se preocupa com a saúde mental. A gente não deixa ninguém sem atendimento, não podemos esperar até a semana seguinte para resolver uma situação. E se tivermos mais psicólogos, vai ter demanda — defende a psicóloga.
Outro ponto de atenção na corporação são os casos envolvendo suicídio, que já é a maior causa de mortes no efetivo em cinco anos: entre 2018 e 2023, foram 45 casos dentre os 89 óbitos de PMs. O dado foi obtido pela deputada estadual Luciana Genro (Psol), via Lei de Acesso à Informação, e levou à criação da Frente Parlamentar em Defesa dos Brigadianos de Nível Médio, instalada na
Assembleia Legislativa na última sexta-feira (28).
“É uma categoria que precisa muito”, diz Sociedade de Psicologia
A presidente da Sociedade de Psicologia do RS (SPRGS), Luciana Maccari Lara, avalia de suma importância haver um departamento com foco na saúde mental de quem vive altos níveis de estresse, em especial na lida diária com uma população mais vulnerável.
— De fato, é uma categoria que precisa muito, e é bem importante que a Brigada Militar tenha essa estrutura — reconhece.
Luciana explica que entre paciente e psicólogo é criado um “contrato”, que assegura o foco no sofrimento que necessita de amparo. “Outras coisas”, como interesses do empregador ou de pessoas distintas a este círculo de confiança, precisam ser esquecidas.
A força dos símbolos institucionais, no entanto, pode virar uma questão que afete o tratamento, quando ele é realizado no mesmo ambiente de trabalho.
— De maneira geral, quando uma instituição tem um serviço de psicologia próprio, vira uma questão. Porque os profissionais que trabalham com o público interno são colegas. E cada instituição encontra formas diferentes de lidar com isso — avalia.
E conclui:
— A cultura militar tem hierarquia e obediência. É possível que, por ser da mesma instituição, também ajude a compreender e escutar. Mas também está sujeita a questões institucionais e a complexidades institucionais parecidas. Se por um lado pode compreender e se identificar e empatizar com aquele sofrimento, também pode ter dificuldade de escutar outras coisas, por estar sob a mesma complexidade institucional. Tudo isso precisa ser considerado.
Procure ajuda
Caso você esteja enfrentando alguma situação de sofrimento intenso ou pensando em cometer suicídio, pode buscar ajuda para superar este momento de dor. Lembre-se de que o desamparo e a desesperança são condições que podem ser modificadas e que outras pessoas já enfrentaram circunstâncias semelhantes. Se não estiver confortável em falar sobre o que sente com alguém de seu círculo próximo, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. O CVV (cvv.org.br) conta com mais de 4 mil voluntários e atende mais de 3 milhões de pessoas anualmente. O serviço funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados), pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil (confira os endereços neste link).Você também pode buscar atendimento na Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua casa, pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), no telefone 192, ou em um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Estado. A lista com os endereços dos CAPS do Rio Grande do Sul está neste link.
Fonte : GZH
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