Por que réus acusados em caso de enfermeira morta em Alegrete não respondem por homicídio e não irão a júri - Agora Já -

Por que réus acusados em caso de enfermeira morta em Alegrete não respondem por homicídio e não irão a júri



Ministério Público do Estado entende que grupo cometeu crime de extorsão qualificada com resultado morte, o que foi aceito pelo Poder Judiciário

Foto: Paloma Scalco / Arquivo Pessoal
6 de novembro de 2023

Em um caso que gerou comoção no Estado, a Justiça determinou que quatro homens irão responder pela morte da enfermeira Priscila Ferreira Leonardi, 40 anos, que teve o corpo encontrado em julho, em Alegrete, na fronteira oeste do RS. Entre os acusados, está o primo da vítima, Emerson Leonardi, apontado como idealizador da morte.

Apesar de terem envolvimento na morte da vítima, eles não são acusados pelo crime de homicídio. Irão responder por extorsão qualificada (em razão da restrição da liberdade imposta à vítima) e majorada, por causa do resultado morte, além de ocultação de cadáver.

O Ministério Púbico do Estado (MP/RS) explica que ofereceu denúncia desta forma porque o objetivo dos réus não era assassinar Priscila, mas se apossar do dinheiro que havia nas contas bancárias da enfermeira. Além disso, em caso de condenação, a pena é maior do que a de homicídio.

No entendimento do MP, a enfermeira acabou morrendo em decorrência da extorsão e de agressões sofridas durante o delito, o que elimina um caso de homicídio doloso (quando não há intenção de matar), explica a promotora Rochelle Jelinek:

— É o que a gente entende por adequação da conduta à lei. No crime de homicídio, o criminoso tem a intenção de matar a vítima ou ao menos assume esse risco. Neste caso, eles queriam o dinheiro, mas algo deu errado e ela acabou morta. A gente não identificou o porquê, se foi um acidente, se algo deu errado, se ela tentou fugir e mataram ela ou até mesmo se algum deles decidiu, durante o sequestro, assassiná-la. Mas sabemos que queriam dinheiro, esse foi o objetivo desde o começo. Por isso a extorsão qualificada com resultado morte.

Dessa forma, eles serão julgados por um juiz, e não pelo Tribunal do Júri, reservado a casos de crimes dolosos (intencionais) contra a vida, sejam consumados ou tentados.

Entre os acusados, está um primo da vítima, Emerson Leonardi, apontado como idealizador da morte. Ele teria chamado comparsas para propor e organizar o delito. O homem está preso preventivamente desde 13 de julho. Confira abaixo a nota de defesa de Emerson.

Os outros três acusados já estavam presos temporariamente e, após virarem réus, tiveram a prisão preventiva decretada pela Justiça. Os nomes deles não foram divulgados.

MP busca pena maior

A decisão pela tipificação dos crimes também foi estratégica, segundo a promotora. Ela explica que, em caso de condenação do grupo, a pena deve ser maior do que a de homicídio. No caso da extorsão com resultado morte, a pena prevista vai de 24 a 30 anos de reclusão, enquanto a de homicídio doloso qualificado é de 12 a 30 anos.

— A lei considera mais forte, mais repugnante, o crime de extorsão com resultado morte, porque há nele o interesse financeiro. A pena é maior porque é mais grave ainda que o homicídio — afirma Rochelle.

Promotoria deve recorrer

No total, o MP ofereceu denúncia contra nove pessoas envolvidas no caso, todas por extorsão qualificada e com resultado morte, ocultação de cadáver e associação criminosa.

No entanto, o juiz Rafael Echevarria Borba, titular da Vara Criminal da Comarca de Alegrete, entendeu não terem sido apresentados elementos que comprovassem a participação de cinco denunciados nos fatos. Ele também não recebeu a acusação em relação a associação criminosa, pelos mesmos motivos.

O MP afirma que irá recorrer desse afastamento do crime de associação criminosa e também da decisão do magistrado de indeferir acusação contra os demais cinco envolvidos.

A promotora pontua ainda que há “diversas diligências em andamento” e que o MP ainda aguarda laudos periciais, como de celulares dos envolvidos.

Delação premiada ajudou a esclarecer caso, diz MP

Para esclarecer o caso, o MP negociou uma colaboração premiada, que permitiu que a instituição “recebesse informações importantes sobre o caso”. Assim, um dos investigados confessou os delitos e também relatou detalhes, explicando o esquema criminoso e indicando os comparsas envolvidos. Por isso, ele tem a identidade preservada.

Para a promotora, em “investigações complexas” como essa, a ferramenta auxilia as autoridades a identificar o grupo por trás de crimes.

— As pessoas acham que ele foi beneficiado, mas ele também responderá ao processo. Em casos difíceis como esse, é muito difícil esclarecer os fatos sem que exista colaboração de algum dos envolvidos. Nós não teríamos conseguido identificar todas as nove pessoas sem essa ferramenta.

Conforme Rochelle, ao final do processo, o juiz irá avaliar quanto a confissão do homem contribuiu para o esclarecimento do caso. Se ele tiver auxiliado, poderá ter sua pena reduzida em um a dois terços, conforme prevê a lei da delação premiada.

Relembre o caso

A enfermeira foi vista com vida pela última vez em 19 de junho, após sair da casa de Emerson. De lá, Priscila iria para a casa de uma prima, a 5 km de distância, onde estava hospedada. Na ocasião, ela saiu da casa do primo por volta das 21h, e se estima que morreu horas depois, na madrugada.

O corpo só foi encontrado pela polícia em 6 de julho à margem do Rio Ibirapuitã, que corta a cidade da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. Priscila foi enterrada no dia seguinte, na presença de familiares e amigos. A perícia indicou morte por estrangulamento e apontou lesões causadas por espancamento.

A mulher morava e trabalhava (como enfermeira em um lar de idosos) em Dublin, na Irlanda, desde 2019, e viajou a Alegrete, cidade onde nasceu, para visitar parentes e resolver pendências do inventário do seu pai, falecido em 2020. O último emprego dela no Brasil foi em um hospital da Serra, e ela havia se mudado para a Europa para aprender inglês e se qualificar na profissão.

Para a promotora Rochelle, o objetivo do grupo que cometeu o crime era extorquir a vítima e, desta forma, sacar e transferir todos os valores que conseguissem das contas bancárias de Priscila. O grupo acreditava que ela teria cerca de R$ 1,5 milhão em conta, mas o valor não ultrapassava R$ 200 mil, segundo o MP.

Conforme a denúncia, o primo da vítima, que a conhecia e sabia de seu patrimônio, passou a cooptar comparsas, entre eles um presidiário de Uruguaiana e outros integrantes de facção, para executarem o crime. O objetivo era sequestrá-la e, mediante extorsão, retirar o máximo possível de dinheiro da vítima para depois dividir entre os envolvidos.

A promotora pontua que o grupo planejou todo o esquema criminoso durante semanas, ainda antes da chegada da vítima no Brasil. Eles obtiveram um veículo clonado para sequestrá-la, criaram um perfil falso de motorista de aplicativo e conseguiram contas bancárias de “laranjas” para depositar o dinheiro que fosse extorquido da enfermeira.

“Coube ao primo da vítima, durante encontro com ela em Alegrete, acionar um motorista de aplicativo que, na verdade, era um comparsa encarregado do sequestro”, informou o MP em material divulgado.

“No dia 19 de junho, durante a suposta ‘corrida’, o motorista pegou mais dois comparsas e levaram a vítima até um cativeiro. O plano era mantê-la mediante ameaça e violência até que fornecesse senhas para que as transferências bancárias fossem efetuadas. Algo deu errado no plano, os denunciados não conseguiram transferir o dinheiro, espancaram e estrangularam a enfermeira”, acrescentou a instituição.

Contraponto

GZH entrou em contato com a advogada Jo Ellen Silva da Luz, que atende o primo da vítima, Emerson Leonardi. Ela se manifestou por meio de nota:

“Nota de esclarecimento

Em primeiro lugar a denúncia não foi recebida pelo Tribunal de Justiça, quem recebeu a denúncia e de forma parcial foi o juiz titular da comarca de Alegrete. Explico: recebeu de forma parcial, porque dos 9 réus denunciados, quais sejam: V.S.M, T.C, J.F.M.S, B.M.J e A.S.R, não teve prova suficiente para que pudesse ser sustentada a denúncia contra eles, uma vez que já apontei em outra oportunidade as diversas falhas no inquérito, bem como a delação oferecida, também não foi de grande valia, pois a delação premiada precisa encontrar respaldo e até o presente momento não houve outros elementos que sustentem tudo que foi dito como prova cabal.

O que mantém meu cliente e os outros três réus são os mesmos indícios do início, os elementos mínimos que exigem a denúncia, pois continuam existindo falhas no inquérito, diligências não foram concluídas, a própria delação também possui ilegalidades que não foram recepcionadas pelo Magistrado.

Também se sustenta parcialmente recebida, porque o meu cliente não responderá pelo Crime de Organização Criminosa, esse NÃO TEM QUALQUER PROVA que sustente sua existência. Antes que proliferem especulações sobre os nomes em sigla a defesa ressalta que, por terem ficado fora da denúncia, não podem ser divulgados, é uma questão de ética e não de vontade pessoal.

Agora as medidas tomadas serão outras. Se iniciará a fase de instrução criminal, com o contraditório, ou seja, as defesas poderão se manifestar e exercer finalmente a amplitude de defesa que todo réu tem direito, quanto à delação premiada oferecida, esclareço que por ser direito meu no que pertine a estratégia de defensiva a ser construída só irei me manifestar diretamente ao juízo e em sede de contraditório que é onde realmente importa e interessa.”

Fonte : GZH 
Foto : Paloma Scalco / Arquivo Pessoal

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