O presidente do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores (SindiCFC), Vilnei Pinheiro Sessim, defende que isso está ligado ao fato de a maioria das provas ser interrompida logo que o candidato atinge os quatro pontos. Olhando para os dados, entre quem fez quatro pontos, mais da metade (59,2%) precisou de apenas uma falta para atingir esta pontuação.
Entre os itens que punem com quatro pontos e diretamente reprovam o aluno, estão ações como desobedecer à sinalização semafórica e de parada obrigatória ou não conseguir completar a baliza, em no máximo três tentativas, no tempo limite estabelecido.
— O candidato nem arranca para fazer o circuito, ou quando arranca, logo comete uma falta eliminatória e retorna. Não tem por que o avaliador deixar a pessoa levar 10, 15 ou mais pontos — explica Sessim.
Para entender como o nível de reprovação na categoria B é realmente maior do que em outros setores da CNH, basta olhar para o lado. No mesmo período, a categoria A, por exemplo, teve um nível de aprovação de 68,2%. É percentualmente quase o mesmo número de reprovados na categoria B.
A categoria A é aquela para quem quer conduzir veículos de duas rodas ou três rodas. O volume de provas, em números brutos, é menor. Entre 2017 e 2022, foram 378.061 provas práticas da categoria A aplicadas.
Atualmente, o custo para tirar uma carteira da categoria B é de R$ 2.473,84 sem a inclusão do valor do simulador, que desde outubro de 2022 passou a ser opcional. Cada aluno tem que cumprir 20 horas de aulas práticas para depois poder fazer o exame. A taxa para o exame prático é R$ 84,97. Em caso de reprovação, a taxa do primeiro reteste tem valor reduzido para R$ 42,48 para candidatos reprovados que agendarem o exame em até 30 dias, a contar da data da primeira reprovação.
Mas, afinal de contas, por que a categoria B tem mais reprovação? É mais difícil dirigir carros de passeio do que outros veículos? O nervosismo atrapalha demais na hora das provas? Para o assessor da Diretoria Técnica do Detran, João Jardim Silveira, é necessário que os candidatos entendam que “há uma preocupação com a segurança no trânsito, pois estas pessoas serão colocadas em um ambiente coletivo”. Por isso, a avaliação é rigorosa.
João também busca demonstrar os percentuais por um outro caminho. Segundo ele, 54% dos candidatos passam na primeira tentativa para a prova da categoria B. Outros 21% passam na segunda tentativa. E 25% precisam de três ou mais tentativas para obter a habilitação.
No pedido feito via LAI, a reportagem requisitou ao Detran-RS que as informações sobre as provas mostrassem se aquela era a primeira, segunda, terceira ou mais vezes em que o teste era realizado. Na resposta, o departamento justificou que a informação ficava numa base de dados distinta dos resultados de prova e, por isso, não poderia ser compartilhada.
— Entendemos que a aprovação ou reprovação está ligada a dois aspectos: psicológico e de aprendizagem. O psicológico é ligado à tensão na hora na prova. O candidato costuma ficar nervoso, ansioso, ter medo do erro. A gente adota medidas, pedimos que os examinadores façam uma palestra antes para explicar e acalmar o candidato. Foi algo que estava prejudicado durante a pandemia, mas está voltando. Quanto à aprendizagem em si, as pessoas precisam de diferentes níveis de aula. Alguns candidatos precisam fazer mais de 20 aulas práticas (mínimo para fazer a primeira tentativa) para conseguir — pontua João.
Para o presidente do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores (SindiCFC), Vilnei Pinheiro Sessim, também há uma mudança cultural que influencia na questão. Ele aponta que pessoas mais velhas foram acostumadas a aprender a dirigir antes da CNH e chegavam nas provas mais familiarizados com os veículos:
— Hoje, muito corretamente, não se tem mais essa cultura. E os candidatos fazem 18 anos, vão tirar a CNH e têm contato com a condução de um veículo automotor pela primeira vez na vida. O tempo para esse aprendizado é maior.
O presidente do SindiCFC não defende que o tempo de aulas é insuficiente, pois pontua que há candidatos que conseguem a aprovação. Porém, relata que é necessário aos alunos que entendam sua capacidade e se disponham a fazer mais aulas antes da primeira tentativa. Isso quando acharem necessário ou forem orientados a fazê-lo.
— Hoje, mesmo que o instrutor implore que o aluno precisa de mais aulas, muitos fazem as 20 obrigatórias e já querem tentar a prova. Por vezes, fazem isso influenciados por pessoas próximas, que acabam opinando sem ter o conhecimento dos profissionais que atuam nos CFCs — acredita Vilnei.
Outro ponto citado pelo presidente do sindicato é a retirada do simulador obrigatório das aulas práticas. Agora, as aulas no equipamento são opcionais. Para ele, foram cinco horas a menos de aprendizado prático na rotina dos alunos.
Candidatos pontuam dificuldades
Para Bruna, que tentou oito vezes até ser aprovada, a maior dificuldade foi ter tido o primeiro contato com automóveis só no CFC. Segundo ela, a dificuldade de encontrar um professor que atendesse às suas expectativas também tornou o processo até a obtenção da licença mais longo e difícil.
— Sinto que os CFCs preparam a gente para a prova, não para o trânsito. Chega na hora da prova, nos colocam em situações diferentes que acabam deixando o candidato que já está nervoso ainda mais assustado — cita Bruna.
Para a coordenadora de cobranças de seguro Valéria Braga, 54 anos, o desafio foi surpreendente, pois ela já era habilitada em outro país. Moradora do bairro Bom Fim, em Porto Alegre, Valéria viveu em Rivera, no Uruguai, também por anos e, por isso, tinha habilitação daquele país.
Entretanto, decidiu fazer a CNH brasileira neste ano. Durante as aulas, a aluna conta ter tido tranquilidade para guiar, pois já tinha a vivência do volante. Entretanto, ao chegar na prova, encontrava problemas que considera cotidianos sendo considerados faltas.
— Avaliar se a pessoa demorou demais a dar uma sinalização é algo muito subjetivo. Além de que em todo o trânsito, situações assim acontecem a todo momento. Eu acho que esse limite de três pontos é muito pequeno dentro do que acontece na realidade de quem dirige todos os dias — avalia a moradora da Capital.
Foram cinco tentativas até ser aprovada, segundo recorda Valéria. Depois da CNH em mãos, a direção já virou rotina. A família tem feito viagens em finais de semana e a motorista se diz tranquila na direção. Entende que a jornada poderia ter sido menor se a tolerância de pontos nas provas práticas fosse diferente.
Uma outra jovem candidata a CNH categoria B desistiu do processo, por enquanto. Moradora de Porto Alegre, a jovem de 18 anos, que prefere não se identificar, já reprovou três vezes nos testes práticos. Segundo ela, o contato ríspido dos examinadores do Detran-RS é um ponto que gera muita ansiedade nos candidatos, além da falta de explicações sobre o que acontece para que haja reprovação:
— Sinto que falta explicar melhor porque somos reprovados, para que possamos melhorar isso numa próxima tentativa.
As dicas de ambos os lados para aprovação
Tanto candidatos quanto entidades dão dicas para quem está passando ou vai passar pelo processo de emissão da CNH. O assessor técnico do Detran-RS diz que a mais importante ação do candidato é fazer a prova só quando realmente se sentir preparado.
Por isso, ele orienta que os candidatos não se apeguem ao número mínimo de 20 aulas, mas que façam mais aulas se sentirem que é preciso. Ser mais participativo durante as aulas e também na hora da própria prova, ouvindo os examinadores e questionando, é importante para diminuir a ansiedade na hora do teste, acredita João.
— Os examinadores não estão lá para reprovar. Ele pode auxiliar e diminuir o medo dessa pessoa. A gente tem medo daquilo que não conhece. Aproveitando a palestra e conversando com o examinador, esse medo diminui — indica o assessor do Detran-RS.
O presidente do SindiCFC afirma que, hoje, todas as aulas são acompanhadas e registradas em razão das câmeras nos veículos. Esses dados permitem uma melhor identificação das dificuldades dos alunos e até indicação de um instrutor diferente, caso necessário. Vilnei reconhece que o processo é criterioso, mas chama atenção para a necessidade de afastar a ansiedade na hora da prova:
— São 15 a 20 minutos que o candidato tem para demonstrar que é habilidoso e pode andar no trânsito. Depois que acostumamos, dirigir torna-se quase natural, mas quando pensamos na primeira vez que entramos num carro, lembramos o quanto é exigido, da memória, atenção, a tomada de decisão, é uma a quantidade de habilidades que tem que ter pra dirigir.
Para Bruna, a moradora de Pelotas recém-habilitada, a dica também é buscar participação nas aulas e não ter medo de exigir a troca de instrutor. A motorista diz que a demora em procurar outros profissionais estendeu sua jornada em busca da CNH.
— Busque um instrutor que tenha paciência e vontade de ensinar, que reforce os momentos positivos e acertos durante as aulas, não somente aponte quando aparecem erros — indica ela.
Os trabalhos para reduzir as reprovações
O assessor técnico do Detran-RS explica que a pandemia foi um empecilho no trabalho que vinha sendo realizado nas provas práticas da CNH. Ocasionou o acúmulo de provas, que chegou a gerar espera superior a 90 dias para refazer a avaliação, quando a meta do departamento era de que os retestes fossem em 30 dias.
— Em 2020, conseguimos subir a aprovação para 40%. Era um trabalho de maior contato, com palestras feitas pelos examinadores antes das provas, mas tudo foi suspenso. Agora, estamos conseguindo retomar estes trabalhos — diz João.
Além disso, o Detran-RS acompanha o desempenho de CFCs de acordo com os resultados nas provas. E identificando que há mais reprovações por um mesmo motivo de alunos de um CFC, busca fazer workshops com equipes destes locais.
Hoje, o departamento também prioriza a rapidez no reteste, para que o candidato não fique esperando tanto tempo entre uma prova e outra. Segundo João, a repetição das provas tem sido conseguida em até sete dias. O Detran-RS também monitora eletronicamente todas as aulas práticas no Estado, permitindo que qualquer reclamação por parte dos alunos possa ser verificada:
— E ainda estamos realizando com mais afinco fiscalizações nos CFCs, das condições e infraestrutura do local e dos veículos utilizados com os alunos.
O diretor do SindiCFC confirma que há diálogos entre os centros e o departamento de trânsito do Estado. Segundo Vilnei, há uma discussão permanente com os diretores de ensino dos CFCs, que são formados em Pedagogia e cuidam da parte de ensino dos estabelecimentos.
A ideia é buscar identificar as dificuldades de cada local e trabalhar para melhorar o cenário. João, do Detran-RS, também acredita que, com as ações sendo retomadas ao patamar pré-pandemia, a situação deve melhorar:
— Acreditamos que vamos retomar essa vertente de crescimento. Hoje, a aprovação na categoria B está em cerca de 37%, mas podemos melhorar bastante. Nosso objetivo é formar bons condutores.
Fonte : GZH
Foto : André Ávila / Agencia RBS