Gaúcha de 19 anos será a representante do país no Miss Universo, concurso que deve ocorrer no final do ano
Batata, guisado, amor e muito tempero é a receita dos bolinhos que a técnica em nutrição Cerli Rocha, 68 anos, vende às sextas-feiras em um condomínio de Rio Grande. A avó materna da Miss Brasil Maria Eduarda Brechane ouviu a neta dizer que queria ser modelo desde os cinco anos de idade, e embarcou de vez no sonho dela quando, aos 13, a jovem planejou uma viagem para São Paulo, onde faria testes em agências.
Para juntar dinheiro para a empreitada, Cerli cozinhou seus bolinhos durante um mês e contou com Maria para vender e entregar. Arrecadaram o suficiente para duas passagens de ônibus, marcando o início de uma carreira de sucesso.
Esse apoio talvez justifique o fato de que a primeira ligação que Maria fez com a coroa do Miss Universo Brasil, na madrugada de 9 de julho, foi para a avó.
— Ela dizia “Vovó, todos os repórteres estão esperando, mas a primeira com quem quero falar é a senhora, devo muito a você”, até hoje choro lembrando. Ela me valoriza muito, sabe que tudo que conquistei foi com luta. Eu caminho sempre para frente, não sou de ficar me queixando, e ela faz isso também — afirma Cerli.
A neta complementa:
— Ela chorou de felicidade. Disse que, no fundo, sabia que ia dar tudo certo.
Com a coroação, a gaúcha de 19 anos será a representante do Brasil no Miss Universo, concurso que deve ocorrer no final do ano, em El Salvador. Ela, seus parentes e amigos mais próximos toparam conversar com Donna e contar quem é a Maria quando os holofotes estão desligados.
— A Maria que fica em casa, de moletom e coque baixo, é a mesma que está de vestido e coroa. Sou uma pessoa que fica muito entre menina e mulher. Menina pela questão da leveza, de tentar não ver o mundo com esse peso todo, e sim ver muito potencial e oportunidade. E mulher na questão de ser determinada e estar sempre engajada nas pautas em que acredito — afirma a miss, que defende temas como a inclusão de deficientes auditivos e o combate ao bullying na internet.
Nascida em Rio Grande e criada na praia do Cassino, Maria se descreve como uma pessoa “muito positiva”, mas que tem questões e inseguranças como qualquer outra. É grata por poder contar com o colo da avó, dos pais e da irmã mais nova quando os dias ficam difíceis. Há alguns anos, divide-se entre a cidade do Litoral Sul e São Paulo, por conta da carreira de modelo, e em 2023 ficará de vez na capital paulista:
— Esse é um sonho 100% meu, mas com todo o apoio da minha família. Nos falamos todos os dias e brinco que a minha mãe é minha assessora, porque está dentro de tudo que tá acontecendo, fica acompanhando os grupos internacionais e me orienta “cuida com tal coisa”, “publica tal coisa”.
De acordo com a mãe, a instrutora de trânsito Juliana Brechane, 45, desde a infância Maria gostava de moda e beleza, era aquela criança que acordava mais cedo para passar hidratantes e maquiagens antes de sair. Conforme a filha foi crescendo, foi a determinação e a capacidade de abrir mão daquilo que a afastava do foco — ser modelo e miss — que ajudaram na carreira. Maria também foi Soberana do Turismo do RS em 2021, Rainha da Olifeira de Guaíba em 2023, Miss Rio Grande do Sul 2023 e Mais Bela Prenda do Grupo Oceano 2019, representando o DTG Estância de São Pedro, de Rio Grande.
— Maria foi criada no meio tradicionalista, foi prenda e declamava poesias. Quando venceu como Mais Bela Prenda, em 2019, ganhou um quadro na Rádio Oceano para falar de agenda tradicionalista e entrevistar. Assim se transformou numa comunicadora com apenas 15 anos, usava as férias de verão para trabalhar enquanto os amigos iam à praia. Acho importante lembrar de tudo que ela abdicou em função dos sonhos dela, sem nunca reclamar — afirma Juliana.
O mundo miss e o universo tradicionalista se entrelaçaram de vez durante a competição no início de julho. Para a etapa de desfile com traje típico, Maria usou um look em tons de laranja e amarelo que foi desenhado pelo designer Bruno Oliveira tendo a Chama Crioula e o fogo de chão como inspirações.
— Como fui de CTG por muitos anos, queríamos um traje que tivesse ligação conosco, mas que fugisse do óbvio. Escolhemos como tema a Chama Crioula, aquele fogo que está com os gaúchos de janeiro a janeiro e se intensifica em setembro — explica a miss.
No final de agosto, Maria deve passar duas semanas no Estado e, segundo o coordenador do Miss Universo RS, Bebeto Azevedo, a intenção é encaixar na agenda uma passagem por São Sepé, no centro do Estado, onde prefeito e câmara de vereadores pretendem prestar uma homenagem. Para Azevedo, isso mostra que o traje típico foi um dos “gols de placa“ que marcaram no concurso:
— Foi impactante e muito bem recebido. Vieram manifestações muito calorosas e afetivas do pessoal de São Sepé, que é onde está o fogo de chão que dá origem à Chama Crioula. Isso prova que as coisas podem se associar, Maria já foi prenda e hoje é miss, além de ter uma grande inteligência.
O corpo de miss não é um acaso. Ginástica olímpica, ballet, sipalki-do (arte marcial de defesa pessoal) e corrida são alguns dos esportes que já passaram pela vida de Maria Eduarda. O incentivo do pai e da mãe fez com que as atividades físicas se tornassem uma constante para ela, que hoje foca principalmente na musculação. Quando a agenda permite, no entanto, o beach tennis e o surfe são seus esportes favoritos:
— Ambos se relacionam muito com o lugar de onde vim, que tem praia. No Cassino, a água é muito fria, e as ondas ocorrem em épocas específicas, mas dá para surfar, sim. Comecei aos 16 anos e é um esporte que me encantou muito, apesar de ser bem difícil.
Uma das memórias mais felizes que a melhor amiga, a rio-grandina Alessandra Barcellos Fonseca, tem com a miss é justamente no mar gelado do Litoral Sul.
— Um dia convidei a Maria para surfar e a partir daí passamos o verão inteiro indo para a praia, todos os dias, bem cedo. Íamos pedalando até o ponto certo da praia, e voltávamos só no final da tarde. As memórias que fizemos nesse período são algo difícil de esquecer — conta Alessandra.
Com a vitória de Maria Eduarda, a coordenação do Miss RS, embora continue apoiando, dá espaço para que o time do Miss Universo Brasil assuma o comando da preparação para a competição internacional.
A miss já adianta que é quase certa a participação de Franklin Negrin Castro, coach de passarela, e Tony Siqueira, cabeleireiro. Na semana passada, Tony já fez a primeira mudança no cabelo da miss, abrindo algumas mechas no cabelo castanho-escuro.
Nos próximos meses, além das aulas de oratória em português, inglês e espanhol, e do cuidado com o corpo e a mente, a estratégia de Maria será tentar manter a leveza com que levou os concursos de miss até aqui:
— Mesmo sendo algo que faço com todo prazer, acaba me tirando da zona de conforto, então manter o contato com a família e com as coisas que gosto de fazer, como ler, ouvir música e fazer ioga, é importante. A ideia é manter uma rotina que me permita ter autocuidado e dizer “hoje não estou tão bem, então não vai adiantar exigir o meu máximo hoje. Mas posso me exigir duplamente amanhã porque sei que eu vou estar muito melhor”. Esse é o respeito que tenho comigo.