— Eu disse que espero a colaboração de todos, porque infelizmente, hoje em dia, parece ser mais difícil de a gente conseguir isso. Com essas polarizações acontecendo, as pessoas às vezes ficam receosas de receber a gente, já achando que é sobre política, sobre futebol, e não tem nada a ver com isso. O censo simplesmente quer saber quem são as pessoas que residem naquele local — comenta Paulo.
O recenseador se diz preocupado com possíveis hostilidades, mas reforça que é preciso demover esse estranhamento das pessoas, já que as informações obtidas no Censo são totalmente sigilosas.
Enquanto Paulo entrevistava os moradores da Rua Olavo Bilac, Kathrein Eisfeld da Silva trabalhava logo ao lado, em um prédio na Avenida Jerônimo de Ornelas. Na ocasião em que a reportagema encontrou, parecia aliviada por contar com a colaboração do pessoal da portaria, o que nem sempre acontece.
— A experiência está sendo bem ruim por parte das pessoas que não atendem, ou atendem, descobrem que é do Censo e desligam o interfone na nossa cara. Aí tem que ficar toda hora voltando — lamenta a recenseadora, que, quando deixa aviso solicitando o contato para reagendar a entrevista, relata que, muitas vezes, o retorno nunca vem.
A estratégia tem sido fazer as visitas em horários diferentes. De manhã, percebeu que mais pessoas não estão em casa ou não querem responder, porque estão ocupadas fazendo o almoço. À tarde, tem tido mais sucesso, mas, mesmo assim, sente que não é muito fácil:
— A maioria das pessoas com quem eu consigo falar é quando elas estão entrando no edifício, aí eu pergunto se mora ali. É o jeito mais fácil, porque, normalmente, não está sendo bom.
Vera Lúcia Conceição Campani, que realizava entrevistas na Travessa Alexandrino de Alencar, bairro Azenha, também sente hostilidades por parte de alguns moradores.
— Tem de tudo. Tem aqueles que recebem muito bem, oferecem até uma água, se quer entrar, mas tem outros que recebem mal, desconfiam, acham que estamos assaltando. Daí eu mostro “ó, está aqui o meu crachá, você pode confirmar, tem a minha identidade. Em prédios, eles tiram foto da minha identidade, colocam no grupo do condomínio — conta Vera.
Um dos desafios é o fato de muita gente só estar em casa à noite, o que gera na recenseadora o medo de assalto.
— O certo seria trabalharmos à noite, mas não temos um suporte. Tem colegas que já foram assaltados. A orientação é que a gente não traga celular, mas eu trago, porque eu tenho família e, se ficar mais tarde, consigo pegar um Uber — analisa a profissional.
Há perguntas feitas no questionário que já geraram situações desagradáveis para Vera. Em seu primeiro dia, por exemplo, perguntou qual o sexo de uma entrevistada – o que faz parte do protocolo – e recebeu uma resposta atravessada:
— Ela perguntou “eu tenho que baixar as calças pra te mostrar?”. Outra vez, perguntei se a cor da pessoa era branca, preta, amarela, parda ou indígena e ele disse “Não está vendo que eu sou negro?”. Nessas horas, tem que dar um sorriso e dizer que infelizmente eu preciso seguir exatamente o questionário.
Resistência
Coordenador operacional do Censo no Rio Grande do Sul, Luís Eduardo Puchalski revela que em toda a operação censitária se enfrenta resistência de parte da população, e que o mais importante é trabalhar na informação, para que as pessoas entendam para que serve aquilo.
— Muitos se recusam porque desconhecem isso, acham que o IBGE está fazendo alguma espionagem, que pode gerar prejuízo para a pessoa, e muito pelo contrário. Há muita fake news circulando. Mas os recenseadores já foram orientados para tentar lidar com isso. Às vezes são situações extremas, que beiram uma agressão física, e eles se sentem acuados, o que é normal. Tentamos acalmar e pedir que ele volte em outro momento — pontua Puchalski.
Há casos em que a recusa à entrevista acontece de forma velada, marcando, por exemplo, um outro horário e não recebendo o recenseador para aquela visita. Quando a pessoa se recusa formalmente a responder ao Censo, o recenseador vai embora e, mesmo assim, retorna em outro momento. Se, na segunda abordagem, a recusa é mantida, o profissional comunica o fato ao seu supervisor, que vai presencialmente fazer a abordagem. Se, nessa terceira tentativa, a pessoa segue se recusando, o fato é registrado ou, em alguns casos, ainda são tentadas alternativas.
— Às vezes, procuramos que vizinhos próximos ou alguém da comunidade nos ajude e convença a pessoa, tente sensibilizar. O Censo é uma pesquisa do universo, então precisamos de 100% da cobertura — ressalta o coordenador.
A legislação do IBGE prevê multa para quem não responder ao Censo, mas, via de regra, o instituto não a aplica – o objetivo, mesmo, é trabalhar no convencimento da população, de que ela própria é a beneficiada pelo resultado do levantamento.