Soldado João Paulo Farias, 26 anos, foi um dos policiais feridos por Edson Fernando Crippa, em ação no dia 22 de outubro. Um disparo atingiu o militar na cabeça. O atirador matou quatro pessoas, entre elas o pai e o irmão, e acabou morto
O relógio marcava 23h quando o policial militar João Paulo Farias, 26 anos, abandonou o jantar para atender a um chamado que vinha da sala de operações. Não havia ainda muitas informações, mas o tom no acionamento dava a entender que tratava-se de uma situação grave.
Farias e um colega embarcaram na viatura. Eles percorreram cerca de 800 metros do 3º Batalhão de Polícia Militar até a Rua Adolfo Jaeger, no bairro Ouro Branco, em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. Ao chegarem ao endereço, os agentes depararam-se com um dos episódios mais violentos registrados na história policial do RS.
Entre a noite daquela terça-feira, 22 de outubro, e a madrugada de quarta (23), Edson Fernando Crippa, 45, feriu à bala nove pessoas e matou outras três. Entre os mortos estavam o pai do atirador, Eugênio Crippa, 74, o irmão, Emerson, 49, e o policial militar Everton Kirsch Júnior, 31 anos. No dia seguinte, o PM Rodrigo Weber Volz, 31 anos, que foi um dos primeiros a chegar ao local, faleceu no hospital.
— O que a gente visualizou quando se aproximou da residência eram três indivíduos baleados pro outro lado do portão e um deles na calçada. O indivíduo da calçada estava com um sangramento bem massivo. Todas as vítimas pediam socorro. Eu lembro que a cena foi bem dramática — recorda o soldado Farias, que sobreviveu após ser atingido por seis tiros, sendo um deles na cabeça.
João Paulo Farias ficou 18 dias hospitalizado. Foram sete dias na UTI do Hospital Municipal de Novo Hamburgo e dois no Hospital da Brigada Militar, em Porto Alegre. Ele teve alta no dia 9 de novembro. Na sexta-feira (22), o PM recebeu a reportagem de Zero Hora na sua casa e falou publicamente sobre o caso pela primeira vez.
O PM conta que a percepção inicial no atendimento foi de que se tratava de um assalto, em que os proprietários da casa haviam sido baleados.
— Quando chegamos, nós nunca imaginaríamos que a ocorrência fosse daquele tipo. Nunca imaginaríamos que fosse o caso de um atirador. Eu lembro que a mãe, a cunhada e o irmão dele (do atirador) estavam vivos. O pai dele, a gente não ouvia a voz. Eles pediam socorro. Eles imploravam que socorressem eles. Que chamassem a ambulância — pontua.
Eles estacionaram a viatura em frente à casa da família Crippa, mas do lado oposto da rua. João e o colega foram orientados pelo comandante da Força Tática a ficar em frente ao local, enquanto as equipes averiguavam os arredores em busca do atirador.
Em um dos momentos em que Edson Crippa efetuou disparos contra a polícia, Farias acabou baleado cinco vezes. Um tiro atingiu seu intestino, dois o braço, um a perna e um as nádegas. Ferido e sangrando, o PM caiu no chão. Ainda assim, reagiu aos ataques.
— Estava de frente para a residência, de frente para o atirador. E eu, por dedução, acreditava que ele estava no segundo andar, na janela da sacada. Então eu saquei minha pistola e comecei a atirar contra a referida sacada. Eu descarreguei um carregador, fiz a troca, descarreguei outro carregador — lembra.
João conta que tentou realizar a terceira troca de carregador, mas não conseguiu porque o carregador havia sido atingido por um projétil e acabou se despedaçando. O PM recorda que ficou deitado quando ouviu dois estampidos. Foi quando um projétil o atingiu na cabeça. Ele perdeu a consciência durante alguns instantes. Contudo, tem lembranças vívidas de cada momento.
— No segundo estampido eu lembro que minha visão ficou preta. Eu não tinha mais movimentos, eu lembro que eu só olhava uma tela preta, mas ainda estava consciente. E tinha certeza de que havia tomado um tiro que seria fatal, que eu morreria em breve. Então, naquele pouco momento de consciência, eu passei a rezar, implorando a Deus o perdão pelos meus pecados — recorda.
Com a voz embargada, Farias conta que tinha certeza de que não sobreviveria. Ele lembra de ter visto uma luz à sua frente, antes de recobrar os sentidos.
— Eu lembro que no fundo dessa tela preta tinha uma luz branca bem pequena. E essa luz ela trocou, ficou amarela e começou a se ampliar. A sensação que eu tinha é que eu estava caindo lentamente ao passo que essa luz amarela se ampliava. Quando ela se ampliou totalmente, eu passei a enxergar e a ouvir tudo ao meu redor — relata.
O soldado lembra que ficou praticamente duas horas aguardando socorro. Segundo ele, os colegas que tentaram se aproximar para resgatá-lo precisaram se proteger contra os disparos do atirador.
Eu acreditava que ia morrer. Eu acredito que sobrevivi por um milagre.
JOÃO PAULO FARIAS, 26 ANOS
PM sobrevivente do ataque a tiros em Novo Hamburgo.
Agora em casa, João se recupera afastado do trabalho. Ele segue com acompanhamento médico, fazendo fisioterapia, além de tratamento psicológico e psiquiátrico em razão do trauma sofrido.
— Estou tomando medicação pra dormir. Pra dor, eu não estou tomando mais. Estou fazendo fisioterapia e já venho apresentando resultado. Já consigo caminhar de forma independente e não tenho mais dores — pontua.
Além dele, a sargento Joseane Muller, 38, atingida no braço, precisou ser hospitalizada, mas já está em casa se recuperando. O guarda municipal Volmir de Souza, 54, recebeu alta após duas semanas internado.
Os PMs Eduardo de Brida Geiger, 32, Leonardo Valadão Alves, 26, e Felipe Costa Santos Rocha também receberam atendimento médico após serem atingidos de raspão, mas foram liberados na sequência.
A mãe do atirador, Cléris Crippa, 71, e a cunhada Priscila Martins, 41, que também foram baleadas no ataque, seguem hospitalizadas em São Leopoldo. O atirador foi morto pela BM na manhã após o ataque.
Natural de Três de Maio, no noroeste do RS, Farias ingressou na Brigada Militar em Santa Rosa. Há três anos, mudou-se para Novo Hamburgo, onde vive com a esposa e um filho de um ano e dois meses. Após a recuperação, ele pretende retomar as atividades junto à família e à BM.
— Daqui pra frente eu tenho a intenção de continuar a minha vida. Continuar o meu trabalho na Brigada Militar, que é a profissão que eu escolhi e me vejo trabalhando nela. Quero viver com a minha família, como a vida que eu levava antes do ocorrido. E tentar pelo menos minimizar as lembranças dessa tragédia — projeta.