Em comparação com o mesmo período do ano passado, houve redução de 24,3% nos casos comunicados à polícia
Nos três primeiros meses deste ano, em média, seis mulheres procuraram a polícia por dia no Rio Grande do Sul para relatar um caso de estupro. Ou seja, um registro do crime sexual foi realizado a cada quatro horas. Foram 559 ocorrências entre janeiro e março. No comparativo com o mesmo período de 2023, quando foram 739, houve redução de 24,3% nos números. Os indicadores de violência contra a mulher são da Secretaria da Segurança Pública do Estado.
A média é formada somente por aqueles casos que chegaram ao conhecimento dos órgãos de segurança. No entanto, boa parte dos delitos cometidos contra mulheres por razões de gênero é impactada pela subnotificação. Nos casos de crimes sexuais, isso não é diferente.
— Estima-se que somente 10% de casos (de violência contra a mulher) sejam notificados. É muito pouco. Os crimes sexuais existem numa quantidade muito maior do que a gente imagina. As mulheres são estupradas dentro dos relacionamentos, e sequer sabem que é um estupro. Se dão conta muito tempo depois das violências que sofreram — alerta a promotora de Justiça Ivana Battaglin, do Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher do Ministério Público do RS.
Alguns fatores como vergonha, medo, culpa e receio de ser vítima de violência institucional são apontados como aspectos que acabam influenciando as mulheres a terem receio de buscarem ajuda. Isso impede, no entanto, que os agressores sejam responsabilizados.
Nos casos de estupro, segundo a delegada Ana Luiza Caruso, que responde pela 1ª Delegacia da Mulher de Porto Alegre, quanto mais cedo a vítima conseguir pedir ajuda maiores as chances de se coletar indícios que ajudem a identificar e punir o autor. A maioria dos casos ocorre sem qualquer testemunha, fazendo com que a prova pericial seja ainda mais relevante.
— Depois que o fato já ocorreu, sempre solicitamos que as vítimas façam uma coisa que muitas vezes é difícil, que é não tomar banho. Após um caso de estupro, a mulher quer sair dali e retirar qualquer vestígio do corpo dela. Mas esse material genético do autor é muito importante, para que possamos usar como prova no indiciamento. Quanto antes ela conseguir procurar a polícia, pode ser atendida, orientada, e receber os cuidados que necessita. A palavra da vítima vale muito, mas quanto mais elementos de prova conseguirmos obter, melhor — afirma.
Os estupros que chegam ao conhecimento da polícia envolvem tanto aqueles nos quais os autores são desconhecidos, nestes casos muitas vezes criminosos contumazes, como também delitos que são cometidos por pessoas próximas das vítimas.
— As pessoas costumam imaginar que o estupro só é cometido por estranho, num beco escuro, numa rua. Mas muitos deles são praticados por conhecidos, acontecem no contexto de relacionamentos afetivos, familiares ou amigos. Esses abusos acontecem das mais diversas formas. Existem homens que consideram que uma mulher quando está bêbada está propícia a aguentar qualquer coisa. Não é não. Mas esse “não é não” nem sempre é respeitado por alguns homens — enfatiza a delegada.
Em fevereiro deste ano, em Canoas, um caso de estupro levou moradores a realizarem um protesto, no bairro Estância Velha. Uma mulher de 50 anos foi violentada dentro de casa, após ter a residência invadida durante a noite e ser amarrada. O criminoso fugiu levando alguns pertences da vítima, como aparelhos eletrônicos.
Um suspeito, que já tinha antecedentes e estava em prisão domiciliar, foi preso pela Brigada Militar. O município da Região Metropolitana é o segundo que mais teve casos de estupro nesse primeiro trimestre, com 27 registros. Porto Alegre está em primeiro nesse ranking, com 81 relatos do crime sexual.
— O estupro é um crime de ódio, que decorre da misoginia, da noção patriarcal de que as mulheres pertencem aos homens, de que podem dispor dos corpos das mulheres. Temos uma cultura do estupro. Não é que se defenda a prática. Mas quando a gente diz “tu segura as cabras que meus bodes estão soltos”, isso é cultura do estupro. Estamos dizendo que as meninas têm que se proteger e os meninos têm que atacar. A gente normaliza essa cultura violenta nos homens — ressalta Ivana.
Na visão da promotora, além da necessidade da mudança cultural sobre a violência de gênero, é necessário preparar as instituições para que não vitimizem essa mulher uma segunda vez durante os atendimentos:
— O sistema de justiça é feito de pessoas, que fazem parte da mesma sociedade, que está inserida numa cultura machista. As vítimas já estão esfaceladas, sofrem um impacto terrível, tanto que estupro é um crime hediondo. E, muitas vezes, têm vergonha de terem sido vítimas. É preciso acolher essa mulher, em perspectiva de gênero, para entender o que ela está passando.
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